Entidades ligadas ao poder político angolano têm estado a criar Organizações Não Governamentais (ONGs) sem qualquer dificuldade enquanto organizações legítimas deparam com enormes dificuldades burocráticas para se registarem, disse Nuno Dala activista de uma ONG angolana num crítica que encontra eco em dirigentes de diversas outras organizações.
Com efeito, a morosidade e a dualidade de critérios usados pelo Estado angolano no processo de legalização de organizações da sociedade civil têm estado a condicionar a busca de parcerias e o pleno funcionamento das instituições não governamentais que pretendam contribuir para o desenvolvimento de Angola.
As mais visadas nesta burocracia administrativa são as organizações cívicas cujo objecto social seja a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos.
A Lei nº 6/12 de 18 de Janeiro - Lei das Associações Privadas estabelece no seu artigo 11º, no seu nº 2,nas alíneas a e b que após o registo os Serviços de Registo Notariado devem no prazo de 15 dias: “Comunicar a constituição da associação ao serviço competente para proceder o registo nacional de denominação das associações” e “Remeter à Imprensa Nacional um extracto para publicação em Diário da República”. Apesar desta orientação legal, o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos tem sido burocrático e moroso no processo de registo, atribuição de cédula e atribuição do certificado de admissibilidade as associações cívicas.
Rafael Morais Representante em Angola da FOA-Friends of Angola, refere que esta prática do Ministério da Justiça é antiga, e cita casos exemplares da Associação Omunga e a SOS Habitat.
“Temos organizações como por exemplo a SOS Habitat que está há mais de 15 anos que não tem o seu certificado. Temos também a Omunga que felizmente recebeu agora, este ano, depois de falecer o seu Coordenador José Patrocínio” lamentou o activista.
“Já se remeteu todo processo há mais de três meses no Ministério da Justiça. As normas de procedimentos administrativos regulam para estes casos, o máximo de 90 dias e já passam mais de 90 dias. Infelizmente agora não temos nenhuma resposta para o reconhecimento da FOA. Como sabe a FOA também tem um escritório em Portugal onde em menos de uma semana foi reconhecida. Nas nações Unidas também foi em menos de uma semana”, explicou Rafael Morais para quem a contribuição da FOA é importante para o desenvolvimento social e económico de Angola.
O representante da FOA em Angola refere por outro lado que com esta morosidade as ONGs recorrem ao princípio da legalização por deferimento tácito para poderem desenvolver os seus projectos.
“O problema não é da FOA, é do Ministério da Justiça. Sempre que vamos para lá dizem que o documento foi remetido aos outros ministérios”, disse Rafael Morais para quem o Estado tem usado dualidade de critérios para legalização de instituições da sociedade civil e cita casos como o Movimento Espontâneo, que frequentemente organiza actividades de massa em apoio à figuras do partido, para além da Associação dos Jovens Angolanos Provenientes da Zâmbia-AJAPRAZ, que actualmente tem estatuto de instituição de utilidade pública, beneficiando de receitas financeiras provenientes do OGE, mas que tem servido de instrumento de campanha política do MPLA.
“O Movimento Espontâneo, a AJAPRAZ e outros num curto espaço de tempo conseguiram o seu reconhecimento e ainda recebem dinheiro do Orçamento geral do Estado, porque têm o estatuto de instituição de utilidade pública”, argumentou o activista para quem há uma tendência clara de descriminação em relação as organizações críticas aos projectos do Estado.
Por sua vez, Nuno Dala, Presidente da Associação Científica de Angola denunciaexistência de ONGs criadas por pessoas ligadas ao poder político que se desviam do seu objecto social enquanto instituições sérias e preocupadas com o desenvolvimento do país lhes é vetado o direito ao reconhecimento.
“Em pleno terceiro ano do mandato de João Lourenço como Presidente da República, nós ainda temos esta situação de organizações sérias, criadas com objectivo expresso de contribuir para o desenvolvimento do país, nos mais diversos aspectos, estarem ainda a ser bloqueadas, não têm sequer um simples Certificado de Admissibilidade que é um documento que deve ser concedido no prazo de dias, não em semanas ou meses, nem sequer temos isto”.
Diferente da FOA e da ACA, a ACAN- Associação de Comunicólogos Angolanos – organização que defende interesses científico-profissionais em matéria de Comunicação, Informação e Jornalismo, foi criada a 5 de Dezembro de 2018. O Presidente da Organização, André Sibi, diz não ter tido dificuldades para sua legalização, sendo certo, que a organização já está registada, tem o seu Certificado de Admissibilidade, estando por altura a cumprir os procedimentos legais e a criar as condições logísticas para obtenção da cédula.
“As dificuldades que nós estamos a encontrar não é do fórum do Ministério da Justiça, é mais uma questão logística da Associação de Comunicólogos Angolanos. Nós precisamos criar as condições logísticas necessárias para a regularização do processo e solicitarmos este documento junto do Ministério da Justiça e é um processo que nós vamos desenvolver já nos próximos dias.
A ausência de um Certificado de Admissibilidade, da Certidão de registo da organização, bem como a sua publicação em Diário da República remete as Organizações da Sociedade Civil para uma situação de dependência e, força o exercício da actividade, em parte, fora dos marcos legais. Tal é a situação da Associação Científica de Angola, fundada a 7 de Novembro de 2018 e que a 12 do mesmo mês e ano remeteu ao Ministério da Justiça todos os documentos exigidos por lei para sua legalização, mas volvido um ano, o processo continua encalhado.
“Não há sequer uma evolução que se traduza na obtenção do certificado de Admissibilidade, quanto mais então a Certidão. Simplesmente estamos a espera sem ter qualquer horizonte, estamos a espera que o Ministério dê uma resposta”, explicou à Voz da América o Presidente da ACA-Associação Científica de Angola-Nuno Dala.
A Associação Científica de Angola tem como objecto social a promoção da educação científica, a advocacia da investigação entre outras áreas de intervenção. Nuno Dala refere que a ACA tem os pés bem assente no chão e que não tem tendência de se desviar dos seus objectivos.
“Nós não realizamos até agora um projecto que tenha estado efectivamente fora da natureza da nossa organização”, frisou.
A educação científica aos cidadãos interessados em promover pesquisas é apenas uma das áreas de intervenção da ACA, enquadrada num projecto criado especificamente para “dar cursos, seminários e workshop em matéria das ciências”.
“Temos uma outra área específica de intervenção que é o reconhecimento do mérito científico, técnico e tecnológico que se traduz na avaliação dos trabalhos científicos produzidos em Angola através do processo de premiação. Uma outra área de intervenção é o processo de contribuição para legislação científica no país”, explicou.
Para o Investigador e Presidente da Associação Científica de Angola o objecto social de algumas ONGs tem concorrido para que haja bloqueio na sua legalização, sobretudo as organizações que defendam causas como democracia, direitos humanos, transparência, boa governação, combate à corrupção entre outras. Este bloqueio deve-se ao facto de o partido no poder sentir-se desconfortável com denúncias feitas pela sociedade civil, que em parte fiscaliza as acções do Executivo em matéria de governação.
O representante da FOA em Angola apela o bom senso das autoridades no sentido de se pôr fim as burocracias no processo de legalização das ONGs que tem como objecto social a defesa dos interesses do Estado e da população em geral.