Fome no Sul "obriga" angolanos a fugir para Namíbia

Canal do Cafu, Cunene, Angola

Líder comunitária diz que Canal do Cafu foi tomado “de assalto” por cidadãos de fora da região.

Na província angolana do Cunene mulheres e crianças continuam a abandonar o país em busca de fontes de subsistência na vizinha Namíbia, em meio à seca permanente na região.

Teresa Ndinelao, diretora executiva em exercício da Associação Ame Naame Omunu (Eu também Sou Pessoas, português) esteve na última semana na Namíbia e relatou à Voz da América o que viu.

“ Temos pessoas a abandonar as famílias e a se perder na Namíbia por causa da fome e do desemprego. Encontramos mamãs que dormem por baixo das árvores com as suas crianças por causa desta situação. Antigamente, eram os homens, mas agora são mulheres a abandonar os maridos e os filhos em casa para procurar emprego na Namíbia”, revelou Ndinelao.

Aquela responsável comunitária disse que muitos angolanos estão dentro das comunidades da Namíbia a cortar capim à volta dos quintais das casas de ou escolas para poder ter alguma coisa.

”Muitos são crianças de 14, 13 e 12 anos”, alertou.

As poucas culturas de massango, que serve de base de alimentação, não resistiram à seca que se seguiu às únicas chuvas que caíram em outubro e novembro em algumas áreas da província.

Teresa Ndinelao precisou que o projecto Cafu, criado para beneficiar 235 mil pessoas dos municípios de Ombadja, Cuanhama e Namacunde, foi tomado de assalto por cidadãos que residem fora da região.

“Há sim pessoas que estão a cultivar e a beneficiar do projeto, mas a maioria não é do Cunene mas de outras províncias . Alguns cidadãos locais afetados pela seca nem são donas das terras por onde passa o Canal do Cafu ”, revelou.

Para o ambientalista Bernardo Castro, enquanto o Governo não alargar o acesso da população aos serviços básicos e aos fatores que impulsionam a produção será muito difícil evitar a fuga sazonal das populações para lugares com melhores condições de sobrevivência.

“Mobilizar recursos e oportunidades que o estresse climático dá aos diferentes ecossistemas. O Governo criou o Canal do Cafu mas é apenas uma parte de um problema a que não conseguiu dar respostas”, afirmou Castro,

Entretanto, o Governo do Cunene reconhece os municípios de Cahama, Curoca e parte de Ombadja como sendo os mais fustigados pela seca mas a sua governadora, Gerdina Ulipamue Didalewa, defendeu nesta terça-feira, 14, que a população tem de fazer a sua parte.

“Temos de agir na prevenção. Não podemos acostumar a nossa população a esperar pelo apoio do Governo para poder viver porque o Governo não terá recursos para o fazer”, disse.

Neste sentido, a governadora do Cunene apelou ao envolvimento das famílias no trabalho produtivo, sobretudo ao longo do Canal do Cafu , no sentido de praticarem a agricultura por irrigação e deixarem de depender da chuva que tem sido muito irregular.

Gerdina Didalewa, que esteve na comuna de Ombala Yo Mungo, município de Ombadja, destacou as valências do Kwenda, o programa de apoio às famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade, como estando a ajudar as pessoas a adquirir alimentação.

De recordar que, em maio de 2024, as autoridades da Namíbia repatriaram mais de 50 crianças angolanas apreendidas nas ruas de diversas cidades do país onde faziam venda ambulante.

O Ministério do Interior, Imigração e Segurança informou que mais de 73 crianças e as suas mães foram entregues às autoridades angolanas no posto fronteiriço de Santa Clara, no que disseram ser “uma amostra de cooperação internacional e que assinala o começo da sua viagem em segurança de regresso a Angola”.

As crianças e as suas mães tinham sido anteriormente abrigadas no Centro Nacional de Juventude em Ondangwa devido “à sua situação vulnerável”.

Na altura, as organizações angolanas de apoio comunitário já tinham advertido para os riscos que as crianças enfrentam em caso de repatriamento para Angola, nas atuais condições do país, e confirmaram que muitas crianças e familiares se recusam a regressar ao país de origem.

O Ministério disse então que cerca de 200 crianças tinham sido recolhidas das ruas e que “muitas têm nacionalidade angolana", mas não deu números específicos, afirmando que muitas das crianças se recusaram a dar pormenores sobre a sua origem e família.

Tal como no passado, não é conhecido o número de crianças angolanas abandonadas no país, apesar de haver relatos nas redes sociais que apontam para centenas só na região de Windhoek, a capital da Namíbia.