Uma homenagem aos capitães de faluchos e veleiros das ilhas em forma de livro, "Falucho" é a mais recente obra de Manuel Brito-Semedo, apresentada nesta sexta-feira, 27, na cidade da Praia.
Natural da ilha do “Porto Grande”, como é conhecida a ilha de São Vicente, o autor bem cedo teve contacto com o mar e, também, com os pequenos barcos que impediram que as nove ilhas habitadas de Cabo Verde fossem universos separados.
No tempo em que avião sequer era sonho para os ilhéus do meio do Atlântico, os faluchos fizeram a “estrada” pelo mar, abrindo caminho a outros, maiorzinhos, que ligaram o arquipélago ao continente africano e, mais tarde, aos Estados Unidos e ao Brasil.
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Mas onde está esta história, foi-se questionando aquele antropólogo até que, com a morte, aos 90 anos de idade, do último construtor de botes no bairro de Achada de Santo António, onde ele mora, na cidade da Praia, Brito-Semedo decide começar a recolher histórias, a recorrer à sua memória e a conversas, dando assim origem a uma série de crónicas publicadas no jornal Expresso das Ilhas, entre 2017 e 2018, sobre os faluchos, esses barcos frágeis que ligavam as ilhas.
"Por que falucho?"
Mais tarde, o escritor, professor e crítico literário decide colocar essas crónicas numa obra para “reactivar a memória”.
“Por que Falucho?, as pessoas não conhecem, não há nada de homenagem a esses capitães, marinheiros e navios”, diz Birto-Semedo em conversa com a VOA sobre a sua mais recente obra.
“Existe ironicamente nas nossas moedas, três com navios, sendo a menor, de cinco escudos, do navio Belmira, que fazia a ligação curta, que chamo movimentos, entre Pedra Badejo (ilha de Santiago) e Porto Inglês (ilha do Maio) e vice-versa”, conta o autor que lamenta que hoje esse “falucho esteja a apodrecer na praia no mar” na ilha do Maio, sem que ninguém, nem a Câmara Municipal nem o Estado se preocupem em perservar essa história.
Na bibliografia cabo-verdiana, Brito-Semedo encontrou apenas três obras que falam sobre os barcos e decidiu “tentar recuperar isso e chamar a atenção” para que se possa ter algum museu, por exemplo.
Com o jornal Expresso das Ilhas a servir de “estaleiros”, nas suas palavras, mais tarde, o autor decidiu estruturar os textos em movimentos que, agora, dão corpo a “Falucho”.
Movimentos e hstórias, algumas trágicas, de faluchos
“Há uma estrutura de memórias, crónicas minhas, recordações minhas, conversas com pessoas a quem perguntei, uma segunda estrutura sobre livros e uma terceira estrutura de ensaios, todos evocando os próprios nomes e homenageei os capitães e marinheiros desses faluchos”, conta Brito-Semedo.
Muitas são as histórias que os leitores poderão encontrar como a do navio Matilde que deixou a ilha Brava com destino aos Estados Unidos e nunca apareceu, ou dos capitães que “sem formação, eram, no entanto, gente especial que se orientava pelo que via e ouvia”..
O escritor narra o episódio do falucho Belmira que saiu em direcção à ilha do Maio, perdeu-se “e foi aparecer 14 dias depois na Guiné-Bissau, na ilha de Komo”.
Ou ainda do capitão que a caminho do Sal, ilha plana, chamou os marinheiros e disse “sirvam-me de testemunhas, o Sal não está no mapa”.
Activar a memória
A obra, ao estilo de Brito-Semedo, crónicas, segundo o autor, dá à estampa “sem nenhuma presunção”, mas pretende, sim, “chamar a atenção para a memória, para cuidarmos da memória e mostrar que temos uma história rica que precisa ser abordada, não apenas nível das universidades, da academia, mas de forma simples”.
Na era digital, o escritor, "por ser professor", continua a acreditar que o livro é um fiel depositário da história e da memória e diz que prefere continuar a escrever “pensando na geração dos meus filhos”.
Com a chancela de Rosa de Porcelana Editora, a apresentação da hora na Praia foi feita por Carla Lima e Margarida Fontes.
As obras
Professor jubilado da Universidade de Cabo Verde, Manuel Brito-Semedo começou a sua carreira profissional como pastor evangélico, antes de entrar na docência.
É doutorado em Antropologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e membro fundador da Academia das Ciências e Humanidades de Cabo Verde, da Cátedra Eugénio Tavares de Língua Portuguesa e da Associação de Escritores Cabo-verdianos.
Colunista e colaborador de dezenas de jornais, revistas, bem como estações de rádio e televisão, Brito-Semedo organizou também dezenas de obras, prefaciou outras tantas e tem 10 livros publicados.
Entre as suas obras, destacam-se “Caboverdianamente Ensaiando, Vols. I e II, 1995 e 1998, “A Morna-Balada – O Legado de Renato Cardoso, 1999, “Gastronomia, Música e Dança no Ciclo de Vida do Homem Cabo-Verdiano, 2018, “Representação Social do Médico em Cabo Verde, 2018, “Morna - Música Rainha de nôs terra (colecção de 5 livros + CD), 2019, “A Advocacia em Cabo Verde – Breve Historial , Pedro Cardoso Livraria, 2020, e uma série de Crónicas sob o título “Esquina do Tempo”.