A pobreza extrema e a desestruturação das famílias desfavorecidas em Angola são apontadas como condições que contribuem para o aumento do número de menores na rua. A este quadro juntam-se os factores como violência doméstica, abandono familiar, falta de segurança e a vulnerabilidade social.
Um estudo realizado pela organização italiana “Voluntariado Internacional pelo Desenvolvimento”, no âmbito do Projecto Vamos Juntos, apoiado pela União Europeia, revela que mais de 775 crianças, adolescentes e jovens com idades compreendidas entre os 10 e os 25 anos de idade vivem nas ruas de Luanda, em consequência, metade destas já é mãe, pai ou pelo menos já praticou aborto clandestino, expondo-se ao risco de perder a vida e contrair diversas doenças.
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“Dentro da pesquisa observamos que entre as principais causas da problemática estão a violência doméstica, a vulnerabilidade social e a desestruturação de muitas famílias. 30% Têm idades compreendidas entre 10 e 14 anos de idade, 33 % entre os 15 e os 17 anos de idade e 28 % entre os 18 e os 22 anos”, Hilénia Guast do Voluntariado Internacional pelo Desenvolvimento.
A violência doméstica, o desentendimento e abandono familiar, para além do facto de boa parte das meninas entre os 8 e os 10 anos de idade ficarem em casa a cuidar dos outros irmãos menores, diz Jaime de Freitas, responsável pela Rede de Protecção da Criança, nos Salesianos de Dom Bosco, são factores transversais no campo de pesquisa.
A faixa etária dos 14 aos 17 anos de idade é a de maior incidência de presença nas avenidas de Luanda. Esta situação, segundo o responsável é preocupante na medida em que as instituições que trabalham com menores não conseguem dar resposta a esta situação.
“Infelizmente, particularmente para os rapazes são as faixas sem respostas, pois, que, as instituições que trabalham com rapazes na rua acolhe até os 14 anos, depois desta idade não há resposta”, referiu.
A vila do município de Cacuaco, na província de Luanda, é a zona com maior fluxo de concentração de crianças na rua. Foram cadastrados só nesta vila 104 menores. Estes estão expostos a diversos riscos tais como gravidez precoce, abusos sexuais e as doenças sexualmente transmissíveis.
“Já temos famílias cujos pais viveram na rua e os filhos correm o risco também de crescerem na rua. Muitas gravidezes a surgirem, assim como as doenças sexualmente transmissíveis. Eles abusam-se sexualmente uns aos outros entre rapazes e raparigas e rapazes entre rapazes”.
As meninas e crianças na rua são as mais vulneráveis. Hilénia Guast, responsável da VID, diz ser uma questão preocupante.
“A realidade que constatamos é que se trata da segunda geração de bebés na rua, filhos de ex-namorados adolescentes também na rua”, referiu.
A VID-Voluntariado Internacional pelo Desenvolvimento, no âmbito do Projecto Vamos Juntos, está a idealizar uma nova estratégia para ajudar o Estado angolano a resolver o problema. Uma equipa vocacionada para proteção e intervenção de meninos e raparigas a viver na rua que tem, entre outros como objetivos, de identificar a localização dos menores nesta condição.
A pesquisa realizada organização italiana Voluntariado Internacional pelo Desenvolvimento em 4 meses visou especificamente fazer o levantamento de raparigas que vivem e estão a criar famílias nas ruas. O trabalho contou com a parceria dos Salesianos do Dom-Bosco, a SAMUSOCIAL Internacional, o ICRA-Instituto de Ciências Religiosas de Angola com o apoio da União Europeia.
A problemática de crianças de e nas ruas de Luanda ainda não mereceu uma resposta adequada das autoridades, tão pouco das instituições parceiras do Estado. Raquel Luz da Delegação da União Europeia em Angola diz que a organização que representa também ainda não tem resposta para o fenómeno.
A situação apresentada carece de uma rápida intervenção do Estado, já que os menores na rua são vulneráveis e submetidos a um conjunto de riscos. O Sociólogo Raimundo Almada defende mais abertura e estratégias por parte das instituições do Estado. O analista sugere uma maior inter-relação entre os diversos órgãos e departamentos do governo.
“Temos que arquitectar INAC, instituições hospitalares e Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher. Devemos ter linha SOS”.
Domingas Cucubica do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher referiu que a prevalência de raparigas na rua é de extrema complexidade e de carácter emergencial. O MASFAMU, por meio dos seus órgãos de actuação para situações deste género, vai aumentar o conjunto de parcerias para que se encontre uma solução para o problema.
O Sociólogo Raimundo Almado, chama atenção para o problema social que em muitos casos são resultante de factores como relações sociais fracassadas, acusações de prática de feitiçaria, incesto e incoesão familiar. Para o analista social é preciso não dar toda responsabilidade ao Estado, sendo que, toda sociedade civil deve intervir na educação da sociedade.
“Não basta só estudar e apresentar. É preciso todos estarmos em acção e trabalharmos na educação das mulheres”, disse.
Raimundo questiona o serviço prestado à sociedade angolana pelas organizações cívicas e políticas ligadas a defesa da mulher.
“O INAC (Instituto Nacional da Criança) e as instituições sociais ligadas a mulheres, inclusive as ligadas as várias forças políticas. Onde é que estão? Qual é o seu objecto social e o que fazem em prol das outras mulheres?”.
Um trabalho mais profundo é urgente que seja feito. Trabalho este que deve ser feito por órgãos e departamentos ministeriais transversais e que actuam no campo, fora do conforto dos gabinetes.
“Temos de fazer trabalhos de campo. Devemos reeducar a sociedade, resgatar os valores morais da sociedade com acções de campo que envolva a imprensa televisiva. Fazer aconselhamentos gratuitos às famílias. Reflectir é bom, mas a aplicação prática é muito bom”, disse o Sociólogo para quem os trabalhos de campo sobre a modo de vida das crianças na rua poderá permitir detetar outros possíveis problemas sociais.
O estudo sobre “Raparigas a viver na rua” foi apresentado durante um Workshop sobre o género, em Luanda.