Um estudo divulgado nesta quinta-feira, 16, pelo Centro de Integridade Pública (CIP), de Moçambique põe a nu as fragilidades que assombram o sector pesqueiro no país.
“As pescas em Moçambique: um sector vítima de má gestão e alianças promíscuas” faz um retrato de um sector que já foi motor do desenvolvimento da economia nacional, mas que hoje, aporta pouco para a economia nacional.
“Só para se ter uma ideia do declínio, no período pós-independência, a pesca tinha um peso significativo no PIB, chegando aos 20 % e nos anos da década de 1980, chegaram a representar 50% das exportações do país, com destaque para o camarão, mas hoje, se formos a ver pelas contas oficiais, a contribuição deste sector no PIB, quase que desapareceu”, explicou o director executivo do CIP, Edson Cortez, durante o lançamento da pesquisa.
De acordo com o relatório, há essencialmente quatro factores que colocam o sector das pescas em estado de colapso, com destaque para a falta de fiscalização, que tornou a costa nacional num take away, ou seja sem qualquer controlo.
“O país não possui infra-estrutura para uma fiscalização que garanta a protecção dos recursos pesqueiros, então quem quiser pode entrar e fazer o que bem entender no sector” acrescentou Cortez.
Outro problema apontado pelo CIP tem a ver com a promiscuidade política, reiterando as denúncias já conhecidas, de existência de figuras da nomenklatura, envolvidas no que resulta em saque nas águas nacionais.
“Este sector está infestado de conflitos de interesse. As licenças pesqueiras são controladas por elites políticas de Moçambique. Essas elites tiveram acesso a quotas, mas não conhecem o negócio, porém, entregam as mesmas a estrangeiros como chineses e pessoas de outras nacionalidades que pescam de forma ilegal, e quando são denunciados, nada acontece, porque tem protecção ao mais alto nível” concluiu Cortez.
O documento divulgado à imprensa diz, por outro lado, a escassez de peixe deve-se, em parte, porque as maternidades, onde o recurso se deveria reproduzir, foram danificadas pelos “irmãos” chineses.
“Na Baía de Maputo, uma das áreas de maior incidência dos chineses, os níveis de captura baixaram drasticamente”, lê-se no relatório, acrescentando que os “irmãos” chineses exerceram e exercem a sua actividade mesmo nos períodos de veda.
Um dos entrevistados do CIP é citado a afirmar que “não só estão dentro do mar a pescar, como estão dentro das 3 milhas, que é proibido estarem (...). Quando eles estão a descarregar, você vê camarão. Como é possível? Você nota que um barco está a violar em função da fauna que descarrega porque nós sabemos em que área existe este e aquele tipo de produto, mas ninguém faz nada. Há gente protegida. Ninguém faz nada. Os fiscais já estão cansados”.
Segundo o CIP “estima-se que cerca de 60 embarcações chinesas entraram nas águas moçambicanas, entre 2017 e 2018 (…) com protecção de elites do partido Frelimo”, no poder desde 1975.
Os pescadores semi-industriais e industriais alinhados com a legalidade reconhecem o impacto da concorrência desleal feita por operadores fora da lei e defendem que a solução para que o país tenha mais ganhos do que perdas, passa por uma fiscalização séria.
Fredie Miranda, operador pesqueiro semi-industrial, afirma ser "preciso que haja uma fiscalização permanente e rigorosa, só assim teremos bons resultados”.
Uma das fontes do CIP disse que “esse é negócio dos camaradas. Acham-se no direito de, como libertaram o país, têm direito a tudo e alguma coisa”.
As flagrantes violações cometidas pelos chineses foram sempre reportadas ao Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas, mas sem seguimento pelo pelouro, anota o CIP.
A ministra do Mar, Águas Interiores e Pescas procedeu na terça-feira, 14, à abertura da época pesqueira de 2023.
Na ocasião, Lídia Cardoso reconheceu a prevalência de desafios no sector, mas salientou que haver um crescimento e apontou projecções para este ano para uma produção de 468 mil toneladas, mais 10 mil em comparação com o ano passado.