Combate a cólera em Angola deve ser multissectorial, dizem especialistas

  • Agostinho Gayeta

Crianças lavam roupa

Angola continua a enfrentar um surto de cólera que afeta principalmente populações vulneráveis, sobretudo aquelas que vivem em zonas com precárias condições de higiene, saneamento básico, distribuição de água potável e assistência médica. Desde a primeira semana do ano até à presente data, mais de 2.500 pessoas foram afetadas pela doença em todo o país.

Your browser doesn’t support HTML5

Combate a cólera em Angola deve ser multissectorial, dizem especialistas

A situação, segundo analistas, exige uma abordagem multissectorial e uma resposta urgente para conter a propagação da epidemia. Para enfrentar os desafios impostos pela doença, diversos especialistas têm sido chamados a contribuir com soluções.

Veja Também Cólera em Angola: Número de mortes chega a 75, com a doença em nove províncias

Henrikison Samuel, Técnico superior de Construção Civil, considera que o atual quadro da propagação do surto de cólera em Angola é favorecido pelas deficiências nas infraestruturas de saneamento básico e pela deficiente distribuição de água potável.

“Temos infraestruturas de saneamento deficientes e, nos nossos sistemas de abastecimento de água potável, há casos de fontes contaminadas e infraestruturas antigas e mal conservadas, o que provoca a proliferação de bactérias nesses canais, resultando na disseminação da doença”, afirmou o especialista.

Entre os principais fatores que contribuem para o aumento dos casos de cólera, o analista aponta a falta de cobertura da rede de esgotos, a contaminação cruzada entre redes de abastecimento de água e esgotos, e os sistemas obsoletos de recolha e tratamento de resíduos.

Your browser doesn’t support HTML5

África Agora: Lidar com cólera e malária ao mesmo tempo é "extremamente difícil", Adriano Manuel

“A taxa de cobertura da rede de esgotos é extremamente baixa. Em muitas áreas, especialmente nas zonas rurais, a população depende de fossas rudimentares, latrinas a céu aberto ou despeja resíduos diretamente em valas e rios”, explicou Samuel.

O especialista alerta que as infraestruturas existentes são antigas, mal conservadas e incapazes de acompanhar o crescimento populacional, tornando-se um fator de risco para surtos de doenças como a cólera.

Para mitigar esses desafios, Henrikson Samuel sugere a construção de sistemas de drenagem e esgotos mais eficientes, que adotem soluções de engenharia que previnam a propagação da cólera por meio da água contaminada.

“Podemos começar com medidas preventivas, como a proteção das fontes de água potável, o controle de inundações e escoamento adequado, a interrupção da cadeia de transmissão de patogénicos e a melhoria das condições de higiene e saneamento”, explicou o especialista.

Quando se fala na proteção das fontes de água potável, o analista enfatiza a necessidade de isolar os resíduos dos sistemas de esgoto, evitando contaminações.

"A situação atual não é favorável"

A cólera tem colocado à prova o sistema de saúde angolano. Luanda é a província mais atingida, com mais de 1.250 casos, seguida pelo Bengo e Icolo e Bengo, com mais de 500 casos cada. Outras províncias afetadas incluem Huambo, Malanje, Zaire, Huíla, Cuanza-Norte e Cunene, com menos de dez casos registados em cada uma.

Os óbitos já ultrapassam 75 em todo o país, sendo Luanda a província com maior número de mortes (41), seguida do Bengo (26) e de Icolo e Bengo (10).
Henrikison Samuel também destaca a importância de melhorar a infraestrutura hospitalar para lidar com surtos de doenças como a cólera.

O Técnico Superior em Construção Civil sugere a construção de unidades de saúde com áreas de isolamento para evitar a contaminação cruzada dentro dos hospitais, a implementação de sistemas de abastecimento de água mais eficazes, bem como a melhoria da gestão de resíduos hospitalares e a implementação de incineração segura.

Com o avanço da epidemia, o especialista alerta que, sem intervenções estruturais urgentes, o surto poderá afetar ainda mais a população, exigindo um esforço coordenado entre as autoridades de saúde, o sector da engenharia civil e os gestores de infraestruturas urbanas.

Para conter o surto de cólera que assola Angola, especialistas defendem melhorias nas infraestruturas hospitalares e estratégias de comunicação eficazes para sensibilizar a população sobre as medidas de prevenção.

Segundo Henrikson Samuel, técnico superior de Construção Civil, as unidades de saúde precisam ser projetadas com uma abordagem que contemple a separação de áreas de risco e acesso contínuo a água potável.

“É complicado quando até as instituições de saúde que tratam a cólera não tem água potável. O sistema de saúde nacional pode beneficiar-se de diversas inovações na área da engenharia, que certamente resultarão em melhorias”, afirmou o especialista.

Ele sugere a implementação de sistemas de saneamento e abastecimento de água mais eficientes, utilizando materiais duráveis, soluções ecológicas, tecnologias de eficiência hídrica e fontes de energia renovável.

A cólera tem afetado pessoas com idades entre 2 e 100 anos, sendo que o grupo mais atingido é o das crianças entre 2 e 5 anos, com 378 casos e 12 óbitos. Em seguida, está a faixa etária dos 10 aos 14 anos, com 334 casos e 7 óbitos.

O Ministério da Saúde recomenda a adoção de medidas rigorosas de prevenção, destacando a necessidade de saneamento adequado e fornecimento seguro de água potável para conter a propagação da doença.

O papel da comunicação social na contenção da epidemia

Além das infraestruturas hospitalares, a comunicação social desempenha um papel crucial na prevenção e no combate à cólera. O jornalista e comunicólogo Amadeu Cassinda destaca que a imprensa deve ser usada para maximizar a disseminação de informações sobre a prevenção, os sintomas e os protocolos sanitários.

“Os meios de comunicação de massa são essenciais para garantir que a informação chegue ao maior número possível de cidadãos. Com o surgimento das novas mídias, a disseminação de informações falsas é mais frequente, tornando indispensável o papel das autoridades sanitárias na atualização constante dos dados sobre a evolução da doença”, explicou Cassinda.

Para o especialista, a mobilização social deve ser inclusiva, garantindo que pessoas com deficiência e moradores de zonas mais isoladas tenham acesso à informação. Ele defende o fortalecimento da imprensa e do jornalismo comunitário como um canal essencial para alcançar as populações distantes dos grandes centros urbanos.

“A imprensa comunitária é crucial, pois as comunidades sentem-se mais impactadas por veículos locais que abordam as suas preocupações diretas. Durante surtos como este, esses canais desempenham um papel fundamental na comunicação sobre a prevenção e outras informações essenciais”, afirmou Cassinda.

Novas estratégias de comunicação são necessárias

Apesar dos esforços do governo e das campanhas massivas nos meios tradicionais, Amadeu Cassinda recomenda a adoção de formatos mais inovadores de comunicação social para garantir que a mensagem seja compreendida por diferentes públicos.

“É necessário explorar outros formatos que facilitem a perceção da mensagem sobre o surto de cólera. Linguagem acessível, materiais audiovisuais e recursos interativos podem ajudar a tornar as informações mais compreensíveis e impactantes”, sugere.

“Há informações sobre a cólera e, aliás, do ponto de vista da comunicação institucional, o Ministério da Saúde tem desempenhado um bom papel. No entanto, há necessidade de melhorias.

A questão que se coloca não é apenas a quantidade de informação, mas os formatos utilizados para comunicar sobre a prevenção e o combate à doença. “Sendo a população maioritariamente jovem, devemos questionar de que forma a instituição está posicionada nas redes sociais”, sublinha o Jornalista e Comunicólogo Amadeu Cassinda para quem “as plataformas digitais oferecem a possibilidade de explorar diversos formatos, como vídeos curtos e infográficos, que podem facilitar a compreensão sobre o surto. Isso é especialmente importante, considerando que muitos jovens têm resistência a conteúdos essencialmente jornalísticos”.

Diante da crise de saúde pública, especialistas enfatizam que a combinação de melhores infraestruturas sanitárias e uma comunicação eficaz pode fazer a diferença no controlo da epidemia.

O envolvimento de diferentes sectores e a ação coordenada das autoridades, engenheiros e profissionais da comunicação são considerados fundamentais para reduzir a propagação da cólera e salvar vidas.