Bárbara Ferreira Santos
Superlotação, violação de direitos humanos, insalubridade e falta de controle do governo são realidades de todo o sistema penitenciário brasileiro. Mas a situação é ainda mais severa em Pernambuco, onde o sistema prisional abriga três vezes mais presos que a capacidade oficial.
Um relatório da Human Rights Watch no Brasil, divulgado nesta terça-feira, mostra que o controle das prisões no Estado foi transferido a presos, conhecidos como chaveiros, que têm a chave dos pavilhões e controlam a entrada e saída das celas.
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Segundo o autor do relatório. César Muñoz, em Curado, o maior complexo penitenciário de Pernambuco, os presos são escolhidos a dedo pelas autoridades da prisão.
Muñoz encontrou sérias violações de Direitos Humanos nesse complexo penitenciário. Durante uma das visitas, a Human Rights Watch encontrou uma cela que possuía 6 leitos de cimento para 60 homens, como conta Muñoz.
“Não tinha lugar para as pessoas deitarem. Eles dormiam em redes de vários níveis. Um dos presos se amarrava na porta para dormir sentado e não cair em outros presos. A situação é desumana.”
Nas prisões pernambucanas, a falta de cuidados médicos favorece a proliferação de doenças. A incidência de tuberculose é quase 100 vezes maior que a da população brasileira no geral e a incidência de HIV é mais de 40 vezes maior que a registrada na população em geral.
Além disso, foram encontrados dois casos de estupros coletivos que ocorreram em prisões do Estado. O autor do relatório explica que os crimes foram relatados pelas vítimas aos carcereiros, que não fizeram nada.
“Entrevistei duas vítimas que sofreram estupros coletivos neste ano. Eles falaram para os carcereiros, mas ninguém fez nada”, afirma Muñoz.
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O Governo tem conhecimento das violações que ocorrem no sistema prisional. Em 2014, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Brasil garantisse a segurança dos presos, agentes penitenciários e visitantes no complexo do Curado, após denúncias de um grupo de organizações não governamentais.
A superlotação das prisões se deve em parte porque em Pernambuco 59% dos presos ainda aguardam julgamento, mas são mantidos junto a condenados. Segundo a Human Rights Watch, para mudar esse cenário é fundamental que o Estado passe a adotar as audiências de custódia, em que as pessoas detidas são levadas a um juiz logo após a sua prisão para que ele analise a legalidade da detenção e determine se o acusado pode esperar julgamento em liberdade.
Para o jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, Bruno Paes Manso, as audiências de custódia são um avanço. Entretanto, para ele, o sistema continua a produzir violações de direitos desde o julgamento até a prisão, o que só aumenta a raiva não só dos presos, como de suas famílias, que passam a acreditar que o crime é a única solução para combater o sistema.
“Até quando a gente vai fazer uma única aposta na força e na punição como forma de fazer com que as pessoas obedeçam? Tem uma questão a ser revista que é até que ponto construir prisões e apostar na punição coíbe o crime ou até que ponto esse tipo de aposta também produz mais pessoas que passam a fazer parte de um grupo que tem seus direitos caçados e ficam com raiva do sistema, que criam uma ideologia de raiva e do crime como um caminho de vida. Até que ponto o nosso sistema produz crime?”
A secretaria executiva de ressocialização de Pernambuco, que cuida das prisões no Estado, foi procurada pela Voz da América, mas não se manifestou até o fechamento dessa reportagem.