Em Moçambique, o rap é a banda sonora dos jovens que lideram os protestos

  • AFP

Higino Fumo, 32 anos, conhecido no mundo do rap como “Nikotina” levanta o punho enquanto posa para um retrato junto a um mural em memória do rapper Mano Azagaia e crítico da Frelimo, que morreu em 2023, em Maputo, a 3 de dezembro de 2024.

Figura pública dos protestos, Nikotina tem recebido ameaças, incluíndo de morte.

Na vanguarda dos protestos que abalam Moçambique, o rapper moçambicano Nikotina KF acaba de enfrentar o gás lacrimogéneo e as balas de borracha disparadas pela polícia.

Eco dos jovens sedentos de justiça social deste país da África Austral, que se manifestam há mais de dois meses, o artista não só denuncia nas suas letras como nas ruas as eleições de 9 de outubro “roubadas” à oposição.

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“A questão é mais social do que política”, disse à AFP o músico de 32 anos, que usava um brinco e uma t-shirt com a imagem do antigo basquetebolista americano Dennis Rodman, no bairro operário de Mafalala. O seu rosto continua marcado pela forte dispersão dos manifestantes nessa manhã.

Pelo menos 90 pessoas foram mortas nas manifestações pós-eleitorais convocadas pelo principal opositor Venâncio Mondlane, que rejeitou os resultados que o mostraram a perder para o partido Frelimo, que reina supremo há quase meio século na antiga colónia portuguesa, assolada pela pobreza.

“O povo já tinha a pólvora, Venâncio só acendeu o rastilho”, diz o rapper, cujo nome verdadeiro é Higino Fumo. “As pessoas apercebem-se de que um grupo tem muito e a maioria não tem nada. Isso cria divisões”.

Rico em recursos mineiros e de gás, Moçambique tem quase três quartos da sua população a viver na pobreza, de acordo com o Banco Africano de Desenvolvimento.

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Os jovens do país, mais afectados pelo desemprego, constituem uma proporção esmagadora da população: cerca de dois terços dos 33 milhões de habitantes têm menos de 25 anos, segundo as Nações Unidas.

A última colaboração de Nikotina, “Pray for Moz”, exprime este desespero, que se multiplicou desde que as eleições não trouxeram a promessa de mudança.

No clip, interpreta um vendedor ambulante que sobrevive à custa de pães: “Queres ganhar a vida, mas acabas por perdê-la quando um polícia te apanha”, canta em português no vídeo, que foi visto mais de 100.000 vezes na semana seguinte à sua publicação, no início de dezembro.

“Posso morrer por qualquer coisa, mas não vou viver para nada”, avisa.

"Povo no poder"

Higino Fumo, 32 anos, conhecido no mundo do rap como “Nikotina”, olha ao lado de um mural em memória do rapper Mano Azagaia e crítico da Frelimo, morto em 2023, em Maputo, a 3 de dezembro de 2024.

“Não estou a mobilizar os jovens por causa do Venâncio”, garante o rapper à AFP. “Estou a usar a minha influência para apoiar o direito fundamental de manifestação consagrado na Constituição”. Um ponto que ele levanta em sua faixa “Artigo 51 Uma Aula De Direito”.

A sua mensagem e a sua música inspiram um grande número de fãs que o param regularmente na rua para pedir autógrafos ou selfies.

“Nós, jovens, temos muita falta de trabalho”, diz um deles, Zilton Macas, um cabeleireiro de 29 anos do bairro de Maxaquene, em Maputo, que se tornou um foco de protestos.

“Nos últimos dez anos, Moçambique transformou-se num verdadeiro covil de leões, onde apenas algumas pessoas conseguem sobreviver”, diz.

Alguns metros mais à frente, a licenciatura em gestão ambiental de Juvencia Bila, de 43 anos, não abriu outras portas para além das do restaurante de fast food onde trabalha como assistente de vendas.

“Quando crescemos, os nossos pais encorajam-nos a estudar para termos um futuro melhor”, explica, usando um chapéu de cozinheiro - o de um licenciado. “Mas não deu certo.”

Figura pública dos protestos, Nikotina tem recebido ameaças, incluindo de morte. “Não só contra mim, mas também contra a minha família”, diz em frente a um mural com a imagem de Azagaia, um dos rappers mais respeitados do país e até do mundo lusófono.

Foi depois da morte de Azagaia, há cerca de dois anos, que Nikotina decidiu utilizar a sua música para causas sociais. Uma marcha em memória de Azagaia, que era muito crítico do governo, foi dispersada com gás lacrimogéneo e balas de borracha.

Uma das suas canções de 2008 tomou conta das ruas nos últimos dois meses: “Povo no poder” tornou-se o slogan do protesto.