A dignidade humana é um fim em si mesmo e não há fins que justifiquem que se disponha da mulher ou do homem como meio para alcançá-los.
A opinião é do investigador e escritor angolano Domingos da Cruz na apresentação do seu mais recente livro “Direitos Humanos na Era das Incertezas”.
Habituado a escrever sobre o seu país, os seus desafios e injustiças, Cruz oferece agora uma obra de dimensão universal, na qual analisa problemas que afetam todos os povos e lugares, tais como a fome, a miséria, a posição da mulher e sua subalternidade, o declínio da democracia, sem marcos geográficos.
Veja Também Elite angolana é conivente com o racismo em Angola, diz Domingos da CruzPara o também ativista, que esteve detido por um ano, entre 2015 e 2016, juntamente com mais 16 colegas em Angola por defender a democracia e liberdade, “não há democracia sem direitos garantidos formal e materialmente, sem limites claros do poder estatal, enfim, a democracia é o regime de garantia de direitos para a mulher e o homem”.
Convidado do programa Agenda Africana, da VOA, nesta semana, Domingos da Cruz diz que o livro não é um desfilar de opiniões dele, mas “uma meta-análise comparativa que identifica diferentes problemas relacionados com direitos humanos, com dados de diferentes países, direitos da criança e o nível de subalternidade das mulheres que sobrepassa todo o mundo”.
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A proposta de debate por “sociedades melhores e mais justas”, centradas na dignidade humana, apresentada na obra, é anterior ao surgimento da pandemia da Covid-19, embora tenha sido publicado só em julho, Cruz sublinha, no entanto, que a crise atual “permitiu que aqueles que duvidavam do nível de desigualdade a nível mundial, agora podem perceber essa realidade, e a Covid-19 foi um fator impulsionador para uma perceção mais evidente e transparente dos níveis de desigualdade”.
Na conversa, entre os temas do livro e a atualidade mundial, o investigador angolano discorre sobre as grandes desigualdades atuais, dizendo que “o capitalismo acentua as desigualdades e, agora, ficou mais evidente que os mais ricos tornaram-se mais ricos ainda”, dando como exemplo os magnatas das novas tecnologias.
“Nos primórdios da teoria da democracia sempre se associou democracia ao capitalismo e vice-versa, mas na medida em que o tempo foi passando, esta tese foi gradualmente ultrapassada, não só para as análises teóricas, como pela realidade e aquelas sociedades que habitualmente foram abertas e democráticas, infelizmente, à medida que o capitalismo foi-se transformando esse mesmo capitalismo tornou-se um perigo para a democracia”, sustenta Domingos da Cruz.
Como exemplo, Domingos da Cruz apresenta a imprensa “que depende da publicidade e por isso elas não é verdadeiramente livre”.
Noutro nível, ele aponta que as empresas “têm uma grande influência sobre os políticos e muito políticos não conseguem elaborar as chamadas políticas públicas que não estejam ancoradas nos lobbies financeiros”, uma realidade que assentou arraias, daí essa contradição.
Há bons exemplos em África, mas há oposição
Questionado sobre para onde caminham os países africanos, Domingos da Cruz diz haver exemplos de progresso com respeito pelos direitos humanos e realçou vários pensadores “que têm apresentado excelentes propostas, mas que não têm espaços para fazerem impor as suas ideias” ou são combatidos por essas mesmas ideias.
Entretanto, reconhece também haver “sinais claros de países estagnados e até alguns que têm regredido”.
Ante as desigualdades e as dicotomias existentes, Domingos da Cruz diz, no entanto, acreditar em sociedades “ao mesmo tempo politicamente abertas, onde é possível haver trocas comerciais justas e Estados fortes, que não sejam capturados pelo mundo do mercado e que sejam capazes de ter no centro a dignidade do ser humano”.
O livro “Direitos Humanos na Era das Incertezas”, com 404 páginas e chancela da editora portuguesa Colibri, está nas livrarias em Portugal e também nas plataformas wook, fnac, entre outras.
Acompanhe a conversa que abordou outros temas em Agenda Africana:
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