Direitos Humanos: Tratamento cruel, detenções arbitrárias, perseguição política e restrições à imprensa na Guiné-Bissau

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Polícia usa gás lacrimogéneo para dispersar manifestantes em Bissau, Guiné-Bissau

Relatório sobre os Direitos Humanos 2021 do Departamento de Estado americano denuncia também a falta de investigação e responsabilização pela violência de género

Os direitos humanos continuam a não ser totalmente respeitados na Guiné-Bissau e o ano de 2021 foi marcado pelo tratamento cruel e desumano por parte da polícia, detenções arbitárias, represálias politicamente motivadas, restrições à liberdade de imprensa, grave corrupção no Governo, tráfico de pessoas e trabalho infantil.

Este quadro, que ainda é marcado pela impunidade, está descrito no Relatório sobre os Direitos Humanos no Mundo em 2021, publicado nesta terça-feira, 12, em Washington pelo Departamento de Estado amercano.

O documento acredita “relatos confiáveis” de sérios problemas com a independência da justiça, restrições à liberdade de expressão e imprensa , incluindo violência contra radicais islâmicos, falta de investigação e responsabilização pela violência de género, entre outras situações.

“O Governo tinha mecanismos para investigar e punir os funcionários que cometeram abusos e se envolveram em corrupção, mas a impunidade conntinua a ser um problema sério”, lê-se no documento do Departamento de Estado que ainda cita “relatos de que a polícia torturou ou usou outros tratamentos ou punições cruéis, desumanos ou degradantes contra suspeitos”.

Por exemplo, em Julho, a polícia deteve três jovens na província de Bafatá enquanto organizavam um protesto de rua improvisado contra os apagões de electricidade” e teriam “sido torturados antes de serem libertados”.

O relatório reconhece que o Ministro do Interior “rescindiu o contrato de trabalho dos três policiais envolvidos”.

Denúncias de casos de violência policial

O documento afirma desconhecer qualquer actualização das investigações sobre alegações de que as forças de segurança usaram tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante contra suspeitos em 2020, incluindo o sequestro e agressão em maio de 2020 do parlamentar Marciano Indi, ou o espancamento e detenção de Outubro de 2020, de dois membros do partido político MADEM-G15”.

Em Julho de 2020, o parlamento aprovou a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar os incidentes que envolveram os três cidadãos, mas desconhece-se qualquer conclusão.

As condições das prisões variam muito e são precárias, como por exemplo nas “nas instalações de detenção improvisadas para detidos provisórios” onde “as condições eram duras e ameaçavam a vida”.

A polícia, revela o relatório, “prendeu pessoas arbitrariamente e as deteve sem o devido processo”, como foi o caso do porta-voz do Movimento da Salvação do Partido da Renovação Social, Alqueia Tamba, que foi detido por desconhecidos na sequência de uma conferência de imprensa em que fez comentários críticos às políticas económicas e políticas do Presidente Sissoco".

Perseguição política e aos jornalistas

“Houve relatos confiáveis de que o país tentou fazer uso indevido de ferramentas de aplicação da lei internacional para fins politicamente motivados como represália contra indivíduos específicos localizados fora do país”, assegura o relatória que apresentar o caso da Procuradoria-Geral da República que solicitou à Interpol um mandado de prisão internacional em Dezembro de 2020 para Domingos Simões Pereira, líder do opositor Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde”, o que foi negado pela Interpol por considerar que “as acusações eram de natureza política”.

No capítulo da imprensa, o relatório refere que durante 2021 ela foi “independente, activa e expressava uma ampla variedade de pontos de vista sem restrições”, que “havia vários jornais privados, além do jornal estatal No Pintcha”, mas que “os jornalistas que trabalhavam para a imprensa estatal, no entanto, não o faziam livremente, e a censura interna era comum”.

“O Governo não tomou medidas para preservar a segurança e independência da mídia ou para processar indivíduos que ameaçaram jornalistas. A intimidação e o assédio a jornalistas e meios de comunicação continuaram a ser um problema durante o ano”, revela o documento que cita o sequestro e agressão contra o jornalista António Aly Silva, “que escrevia artigos críticos ao Presidente Sissoco e dirigia um site de notícias que frequentemente publicava conteúdos críticos ao Governo”.

O relatório cita ainda que o Ministério Público iniciou uma investigação sobre o ataque, mas os resultados são desconhecidos.

Ataques contra críticos

A 12 de Março, em Bissau, cinco homens armados à paisana teriam atacado e tentado raptar Adão Ramalho, repórter de uma rádio local, enquanto ele se encontrava em frente ao Palácio Presidencial a relatar o recente regresso a Bissau do líder da oposição exilado Domingos Simões Pereira.

A 21 de julho, um oficial da Guarda Costeira agrediu e deteve Emerson Gomes, apresentador e jornalista estagiário da Rádio Comunitária Djan-Djan em Bubaque, uma cidade do arquipélago de Bijagós, acusando o veículo de espalhar notícias falsas.

“O oficial teria espancado e detido Gomes no escritório regional da Guarda Costeira em Bubaque. Gomes supostamente sofreu ferimentos com a agressão e precisou de hospitalização, a Guarda Costeira deteve o suposto agressor por uma semana, supostamente pediu desculpas a Gomes pela agressão de um dos seus oficiais, lançou uma revisão disciplinar interna e forneceu algum financiamento para as despesas médicas de Gomes”, diz o relatório.

Também foram registados “casos de censura na mídia pública” e “considerações políticas muitas vezes levaram os jornalistas a autocensurar o conteúdo das notícias”.

Liberdade na Internet

Nota positiva para o Executivo que “não restringiu ou interrompeu o acesso à internet nem censurou o conteúdo online, e não houve relatos confiáveis de que o Governo monitorava as comunicações online sem a devida autoridade legal”.

No capítulo da corrupção, o relatório do Departamento de Estado assegura que “membros da administração militar e civil supostamente traficaram drogas e ajudaram cartéis internacionais de drogas, fornecendo acesso ao país e sua infraestrutura de transporte”.

Antonio Indjai, ex-chefe das Forças Armadas, “continuou a circular livremente no país” e supostamente mantém uma influência significativa dentro das Forças Armadas”.

O Presidente Sissoco recusou-se publicamente a honrar o pedido de um Governo estrangeiro para extraditar Indjai sob acusação de tráfico de drogas, afirmando que a Guiné-Bissau o julgaria se fosse descoberto que cometeu crimes no país.