Deslocados em Cabo Delgado: Entre o renascer da esperança e a necessidade de mais protecção

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Metuge: Campo de deslocados do centro agrário de Napala, onde estão alguns deslocados da insurgência em Cabo Delgado. Moçambique

Notícias de vitórias no campo da batalha alegram deslocados, mas há quem pede cautela porque há muito pela frente na luta contra o terrorismo

Nas últimas semanas, os distritos do norte da província moçambicana de Cabo Delgado vivem momentos de grande tensão por conta do incremento da luta contra os insurgentes levado a cabo pelas Forças de Defesa e Segurança de Moçambique e do Ruanda, que já celebram com discursos considerados triunfalistas.

Na quarta-feira, 4, as autoridades militares anunciaram a recuperação de Awasse, em Mocímboa da Praia, que estava nas mãos de insurgentes desde 2020.

Durante esse período, o grupo associado ao Estado Islâmico, segundo as autoridades, vandalizou, entre outros, a subestação de electricidade e infraestruturas de telecomuniçacões.

Ao visitar o local, o chefe da Polícia moçambicana disse que "conquistar esta subestação é conquistar a nossa economia, é contribuir para a viabilização do projecto de gás natural e para permitir o acesso a todos os distritos e postos administrativos da região norte da província de Cabo Delgado”.

“E no caso de regresso da população”, disse Bernardino Rafael, irá “encontrar a comunicação e energia para o desenvolvimento da região, de acordo com os planos que o Governo tem”.

A referida recuperação, segundo as autoridades, foi graças à acção conjunta das forças moçambicanas e ruandesas, que anunciaram pelo menos 70 baixas entre os insurgentes, e apresentaram equipamento militar deles confiscado.

Além da força ruandesa, a primeira a chegar a Cabo Delgado, estão no terreno militares e estrategas angolanos, sul-africanos, tswanas e zimbabweanos.

Em termos numéricos, a África do Sul tem a maior presença – cerca de 1500 militares – seguida do Ruanda, que prometeu mil homens.

Equipamento militar pesado foi também visto em trânsito para a região.

Regresso à terra

Alguns deslocados entrevistados pela VOA olham para a acção militar como sinal da possibilidade de retorno à normalidade, uma vez que onde vivem as condições não são das melhores e escasseia o apoio.

“O Governo deve fazer este esforco de acabar com essa situação. Melhor ainda que estão a entrar essas tropas”, diz Abdul Momade, na zona de Namicopo, cidade de Nampula.

Momade é um dos sobreviventes do ataque de insurgentes, que resultou na ocupação de Mocímboa da Praia e respectivo porto, em 2020.

Outro sobrevivente, Abubacar, que prefere omitir o apelido, pede aos militares para “evidarem esforços para dominar os malfeitores.

O pescador, de, pelo menos, 60 anos de idade, quer voltar a trabalhar para alimentar os seus 18 dependentes.

“Aqui em Namicopo, passamos três meses sem receber apoio, alojamento e comida”, diz.

Tal como Momade e Abubacar, Sifa Mauala fugiu de Mocímboa da Praia apenas com o essencial e desconhce o paradeiros dos seus familiares e amigos.

“Nós queremos voltar para casa e viver livre na nossa terra. Aqui, passamos dificuldades e vivemos de favores”, diz a jovem mulher, cujos filhos viram os estudos descontinuados.

Perigo do triunfalismo

Perante estas afirmações e discursos triunfalistas, que enunciam o renascer da esperança, defensores de direitos humanos advertem cautelas e exigem que as autoridades garantam a protecção de deslocados para que os seus sonhos de retorno ao normal não se transformem em pesadelos.

Maior preocupação, dizem muitos activistas, tem a ver com a forte presença militar.

“São tropas de diferentes nações, diferentes culturas (e) diferentes códigos de operação. É mais um desafio para Moçambique coordenar isso. É mais uma militarização, que pode alimentar o conflito com consequências para as comunidades locais, para situações humanitárias e abusos dos direitos humanos”, disse à VOA, Adriano Nuvunga, chefe do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD).

Zenaida Machado, pesquisadora moçambicana da Human Rights Watch (HRW), realça que quando um país recebe ajuda militar estrangeira, “é necessário garantir a segurança dos civis e que eles possam fugir das zonas de guerra, que os militares respeitem os seus direitos civis e que a ajuda humanitária chegue onde eles se encontram”.

Por outro lado, e com base em abusos que a HRW documentou em Cabo Delgado, Machado afirma que os militares devem ser capazes de “o mais rapidamente possível” saber distinguir os insurgentes dos civis para evitar o abuso de direitos humanos.”

Quanto ao triunfalismo das autoridades e seus parceiros militares, o sociólogo Moisés Mabunda opina que as autoridades devem ter cautela "porque como são os primeiros embates, temos que ver o que se segue".

Além dos mais de 800 mil deslocados internos, o terrorismo em Cabo Delgado, segundo o Projecto de Registo de Conflitos, provocou a morte de, pelo menos, três mil pessoas em cerca de quatro anos.