Uma crise financeira nos jornais angolanos que se arastava há muito agravou-se subitamente com a epidemia da Covid-19 que reduziu drásticamente a publicidade forçando publicações a despedirem pessoal e a a encerrarem as portas
Com efeito, as altas taxas de impressão de jornais e a escassez de publicidades, a maior fonte de receitas para a imprensa privada, forçaram o encerramento de algumas publicações em Luanda e, outras tiveram de adoptar novas estratégias de trabalho.
Grande parte dos semanários deixou de imprimir por falta de sustentabilidade.
No total sete jornais deixaram de imprimir
Os custos semanais para impressão dos jornais rondam a volta de 700 mil a um milhão de kwanzas. Para o Jornalista Escrivão José, Director do Jornal H, a situação está tão crítica que foi forçado a dispensar parte da equipa de jornalistas e apostar no jornalismo digital, como alternativa temporária.
“A grande dificuldade são as gráficas com preços altos e obrigam-nos a vender os jornais a um preço que não está ao alcance do público. Um jornal chega a custar entre 1.500 a 2000 kwanzas e não é para o bolso de qualquer cidadão”, referiu.
Com o surgimento do coronavírus, com mais de 80 casos diagnosticados em Angola, estão em risco no sector da comunicação social perto de 20 mil empregos, sobretudo na imprensa privada. Este número engloba não apenas jornalistas, mas, pessoal administrativo e outros que labutam em empresas ligadas ao sector ou que dependem deste indiretamente.
Contactado para falar sobre o assunto, o Chefe de Redação do Jornal Manchete afirmou que a situação é preocupante, pois que, apesar de pagar imposto a imprensa privada não beneficia de um apoio do Estado, neste momento delicado por que passa.
“Os jornais não estão a operar no mercado por falta de condições. Temos dificuldades de pagamento às gráficas devido aos preços altos”, disse o jornalista que lamenta que esta situação abrange igualmente os recém-licenciados em Jornalismo e Comunicação Social que encontram nos jornais privados uma oportunidade de estágio profissional.
“Infelizmente por falta de incentivo do Estado não estamos a conseguir trabalhar. O que pedimos não é dinheiro, mas sim facilitar a publicidade. Não basta apenas criticar a imprensa privada”, diz o profissional para quem“é importante que o Estado apareça, uma vez que somos parceiros e exercemos legalmente a actividade de jornalismo”.
“Nós pagamos imposto e, com isto o Estado devia rever a sua posição”, acrescentou
A situação mereceu recentemente um apelo ao Presidente da República, João Lourenço, que orientou o Ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social a reunir-se com os representantes do sector.
Manuel Homem manteve reentemente um encontro com o Sindicato dos Jornalistas Angolanos e os directores dos órgãos privados de comunicação social, tendo prometido prestar atenção as preocupações levantadas pelos profissionais.
Escrivão José mostra-se céptico em relação ao encontro mantido com o Ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social.
“Se olharmos para quem esteve neste encontro, veremos que são sempre os mesmos que há algum tempo beneficiaram de apoios do então Ministério da Comunicação Social. Portanto, este encontro vai dar em nada se, se der alguma serão escolhidas as pessoas. Nós estamos aqui e nunca recebemos apoio, nem sequer visitas das autoridades”, disse
Desde a realização deste encontro à data actual, dois meses se passaram, conduto, mudanças no quadro ainda não foram assinaladas.
Mas, como a ocasião faz o homem, dize o adágio, o Secretário Geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos reiterou tais preocupações em viva voz directamente ao Presidente da República, João Lourenço, na última sexta-feira 30 de Maio, durante o encontro que o Chefe do Executivo manteve com a sociedade civil.
Teixeira Cândido sugeriu a criação de incentivos aos órgãos de comunicação social privados, para o fortalecimento da classe jornalística no país. O sindicalista propôs a implementação de uma linha de crédito para a aquisição de mini-gráficas, que pudessem ser geridas por cooperativas de jornalistas e capazes de fomentar a imprensa, principalmente os jornais.
“Não faz sentido que o país em 1974 tinha quatro diários, volvidos quase 50 anos de independência tem apenas um “diário e meio”, Jornal de Angola e o País, que sai ciclicamente”, disse
“Aqui não existem créditos nem incentivos fiscais aos órgãos de comunicação social, se existe nunca vi”, lamenta o jornalista Escrivão José que defende a uniformização dos preços das gráficas, uma vez que “comprar o jornal a 1.500 é uma aberração, tendo em conta o salário mínimo nacional que é uma miséria”; disse o profissional para quem as políticas do Governo em relação à imprensa sevem apenas “para asfixiar a informação e a liberdade de expressão”.
Albino Sampaio lamenta que do Ministério de tutela a imprensa privada não recebe pelo menos um telefonema de consolo, apesar de estarem credenciados por este órgão responsável pela gestão das políticas de comunicação em Angola.
“Pelo menos um telefonema de consolo. O Ministério deve saber que não pode aparecer apenas para criticar, antes porém devia aparecer para saber como estamos e como funcionamos”, desabafou.
O que é certo é que a nível da imprensa privada, particularmente publicações como o Jornal Manchete, o Hora H, o Crime, o Visão, A República, o Grandes Notícias e o jornal Liberdade, deixaram de imprimir há mais de dois meses.
A publicidade é principal fonte de arrecadação de receitas para sustentabilidade dos jornais, mas devido ao impacto do covid-19, as empresas deixaram de apostar nos periódicos. Todavia, o jornalista Escrivão José, director do Jornal Hora H não tem dúvida que servem para desincentivar a imprensa e interromper o exercício de promoção da liberdade de expressão, por isso, afirma que se trata de um problema político.
“As empresas de sucesso em Angola que podem apostar nas publicidades nos jornais privados são de ministros, generais e estes preferem não o fazer, porque entendem que a imprensa privada os difama”, assegurou o jornalista para quem, por outro lado, “o Governo e os empresários que detém as gráficas são os principais causadores da morte da liberdade de expressão em Angola”.
“O Estado nos olha como instituições à margem da actividade jornalística no país”, diz o jornalista Albino Sampaio, Chefe de Redacção do Jornal Manchete para quem os jornalistas trabalham arduamente para manter os periódicos no activo, garantindo o direito de acesso à informação à sociedade.
“Nós acreditamos que um dia o Estado vai recuar nas suas posições e olhar para nós como verdadeiros parceiros. Nós não precisamos de milhões para se manter no mercado. O mais importante para nós é a subvenção do papel. É isto que nós queremos”, frisou.
A prevalecer nesta situação, os gestores dos órgãos de comunicação social pensam em partir para a acção de despedimento de profissionais.
Enquanto durar esta fase difícil por que passa o jornalismo impresso em Angola, as plataformas digitais serão usadas como alternativas. A ideia é fazer da situação uma oportunidade para emigrar, parcialmente para o sistema digital.
“Estamos a trabalhar para que o jornal em formato digital chegue aos nossos assinantes, mas temos receio porque em Angola criou-se uma cultura dos governantes serem eles os únicos a terem projectos rentáveis”, explicou Escrivão José, tendo acrescentado que “em Angola é difícil manter e gerir um jornal físico”.