Indiferentes ao discurso relativo à luta pela segurança alimentar, centenas de camponeses angolanos estão a vender os produtos a comerciantes da República Democrática do Congo (RDC) como uma medida alternativa ao que chamam de falta de incentivos da banca em relação aos custos de produção.
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O feijão, uma das prioridades do Plano Nacional de Produção de Grãos (Planagrão), justifica a "invasão" congolesa na província de Benguela, nos vales do Cavaco e do Dombe Grande, mas uma viagem ao Uíge mostra que outros produtos seguem para o país vizinho pelas mesmas razões.
Com a campanha agrícola 2023/24 já em andamento, apenas duas das 27 cooperativas do Cavaco, um dos maiores vales do país, tenham visto a cor do crédito.
É desta forma que o produtor Raúl Galvão, membro da cooperativa agro-pecuária Ondjali, sublinha que em situações de aperto não há patriotismo que supere as leis do mercado.
“A banca não financia os agricultores, quem está a fazer isso é o congolês, quando o produto estiver pronto nós entregamos tudo. Eles, se tiverem um remanescente, acrescentam o valor, são simplesmente compradores e não nos interessa o destino que dão”, ressalta Galvão, acrescentando que “estamos a acabar a safra, vai tudo, eles financiam sem juros”.
Aquele produtor alerta para escassez e subida de preços por força do final de ano, dando exemplo de que o discurso do Executivo angolano nem sempre se encaixa no terreno.
“Vai haver escassez, claro que vai porque já não existe feijão. Eu quero produzir e vender, mas onde é que existem os silos para guardar o feijão ? Não existem, mais uma razão, todo feijão do vale quem compra é o congolês”, acrescenta.
De Benguela ao Uíge, o cenário é o mesmo, mas com mais produtos à venda, tal como refere João Pacheco, associado da cooperativa denominada Mayeno.
“Não esperamos só pelos congoleses, vendemos grandes quantidades a qualquer, não importa a nacionalidade. O que sai mais aqui é o feijão, a jinguba, o milho e a batata. Tudo que é do campo sai em abundância”, sublinha o produtor.
Analistas económicos dizem que se trata de uma situação adversa à luta contra a insegurança alimentar, lembrando que o mercado interno seria a prioridade, mas entendem a situação de homens que precisam de custear as suas operações.
Em fase de limitações financeiras, o economista Alfredo Sapi sugere que o Estado, por via dos fundos que vem mencionando, deveria estar focado no potencial de cada região.
“Para termos resultados … seria, por exemplo, Benguela dá para o milho, aí o Estado emprestava milhões de dólares só para camponeses da fileira do milho. Aí teríamos abundância, em três meses, e a fuba baixava, é simples, é teoria económica”, sugere aquele economista.
No seu discurso sobre o estado da nação, o Presidente João Lourenço assumiu que a campanha agrícola deve servir de estímulo, tendo deixado uma certeza.
“Alcançar a segurança alimentar é um objectivo possível, isto se tomarmos consciência de que precisamos de trabalhar mais, de produzir mais, porque o lamentar apenas não traz o pão à nossa mesa”, apelou o Chefe de Estado.
Vários membros da equipa económica do Governo angolano têm destacado a necessidade de projetos que promovam a segurança alimentar no país, realçando que a conjuntura internacional assim determina.