Mais de duas semanas depois dos confrontos mortais na vila da Cafunfo, na província angolana da Lunda Norte, activistas e observadores não se mostram surpreendidos com o que chamam de “atitude do regime”, que não revela “melhorias”, apesar da mudança na liderança do país e do MPLA, partido no poder.
As autoridades policiais dizem que 300 manifestantes convocados pelo Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe tentaram atacar a esquadra local, no dia de Janeiro, enquanto o presidente do Movimento, José Mateus Zecamutchima, moradores e activistas acusam as forças de segurança de terem reprimido uma marcha que pretendia apenas pedir diálogo com o Governo sobre a situação de miséria extrema na Lunda Norte.
Com a vila fechada pela Polícia Nacional (PN) e Forças Armadas Angolanas (FAA), segundo moradores disseram à VOA e a UNITA, cujos deputados foram impedidos de entrar, desconhece-se o número de vítimas mortais.
A PN fala em seis mortes, mas a Amnistia Internacional confirma pelo menos 10 mortes e muitos desaparecidos e fontes independentes admitem pelo menos 27 vítimas mortais.
Na rubrica Agenda Africana, da VOA, o activista, escritor e investigador Domingos da Cruz e o director da organização não governamental SOS-Habitat, André Augusto, são peremptórios em afirmar que não houve melhoria no capítulo dos direitos humanos após a eleição de João Lourenço e que as disparidades económicas são cada vez maiores.
“O regime é o mesmo”, garante Cruz, quem discorda da ideia de que houve mudança de regime de Angola, mas sim “sucessão presidencial”.
Mudança de regime, no entender daquele investigador, sugere “mudança de um regime autoritário para uma verdadeira democracia”, o que não aconteceu.
Sem acreditar na versão posta a circular pelas autoridades angolanas sobre o que terá passado, “porque nos habituaram a nunca dizer informações correctas”, aquele activista que esteve detido durante um ano em Luanda por participar de um grupo de reflexão, diz não ter ficado surpreso com o que passou em Cafunfo, “ou em qualquer outro lugar durante o consulado de João Lourenço”.
"Violência, instrumento de manutenção do poder"
Domingos da Cruz resume tudo na forma como o MPLA mantém o poder e reitera que “o regime mostrou-nos que ao longo de 40 anos tem usado a violência como instrumento de manutenção do poder”, uma violência “estrutural”, que está impregnada em todas as estruturas do regime, “transformando a relação entre o cidadão e o governador, basicamente uma relação necropolítica”.
A luta pelo poder não se limita ao poder político, mas está profundamente ligado a outro poder, o económico, acrescenta aquele investigador quando questionado sobre os interesses nas riquezas em Cafunfo.
Ao lembrar que Angola é um país “com muitas nações dentro”, Domingos da Cruz é de opinião que as reinvindações dos cabindas e das Lundas devem ser discutidas sem tabus, “como tem acontecido noutros países” com problemas semelhantes, e diz atrever-se a admitir que “muitas das reivindicações não são vontades de uma autonomia, mas de um sentimento de injustiça porque as pessoas têm plena consciência de que há recursos, mas estes recursos estão a ser drenados para favorecer a elite política interna e seus parceiros a nível internacional”.
Diálogo e distribuição de riquezas
As manifestações do ano passado e os incidentes em Cafunfo, bem como a resposta das autoridades, mostram “uma certa estagnação” no campo das liberdades, na óptica do director da SOS-Habitat.
André Augusto lembra das muitas riquezas das Lundas e das empresas que exploram esses recursos, enquanto a miséria é elevadíssima, “o que leva as pessoas a reclamarem”.
Ele defende o diálogo aberto entre as diversas partes para se encontrar soluções aos muitos problemas existentes.
“A população local não se beneficia dessas riquezas, isso tem estado na base da reivindicação daqueles que pensam que a independência do território seria uma solução para que as suas vidas melhorassem”, sustenta Augusto, quem, mesmo frente à posição musculada do Governo e à recusa em conversar com os que têm opinião contrária, assegura que “a sociedade civil vai continuar a pressionar por diálogo”.
O activista lembra que o Estado deve proteger a vida humana e reitera que “só uma distribuição equitativa dos recursos” vai evitar que “umas regiões sejam mais abonadas do que as outras”, dando lugar a bolsas de conflitos.
André Augusto põe o dedo na ferida da promiscuidade entre o Estado e o privado e afirma que essa situação vai continuar enquanto “tivermos governantes empresários”, porque haverá sempre conflitos de interesse, como se vê nas Lundas.
Este e outros temas em Agenda Africana, acompanhe:
Your browser doesn’t support HTML5