Cabo Verde: PM diz que opinião do Presidente da República não é lei e analista político descarta crise

Presidente da República, José Maria Neves, e primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, Palácio da Presidência, Cabo Verde (Foto de Arquivo)

Ulisses Correia e Silva reagia assim às críticas feitas por José Maria Neves ao Governo e à crispação política no país

O primeiro-ministro de Cabo Verde considerou nesta quinta-feira, 27, que a mensagem do Presidente da República ontem, com várias críticas ao Governo, é a opinião do Chefe de Estado e lembrou que "nao é lei".

O analista político Aquiles Almada enquadra a leitura feita por José Maria Neves como que dizendo "estou aqui" e descarta qualquer crise na coabitação porque, diz, não interessa a ninguém.

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Analista político Aquiles Almada não antevê crispação na coabitaçao entre PR e PM em causa

Ao responder a perguntas dos jornalistas à margem da Conferência Internacional de Doadores, que começou hoje na Boa Vista, Ulisses Correia e Silva limitou-se a dizer "é uma opinião do Presidente da República, assim como há várias outras opiniões, nós não temos que estar de acordo".

"Não é lei, é a opinião do Presidente da República e cabe aos analistas fazerem a sua avaliação", acrescentou o chefe do Governo, sublinhando que o Presidente "tem voz e faz da sua voz sentir, mas não temos de estar de acordo com aquilo que ele diz”.

As críticas

José Maria Neves, antigo primeiro-ministro (2001 a 2016) pelo Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), criticou na quarta-feira, 26, o Governo pelo "retrocesso em setores vitais" do país, com foco nos transportes marítimos, e com decisões que são tomadas decisões cuja lógica e propósito "não se entendem".

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"Legitimamente, a nação inquieta-se e indigna-se com o inegável retrocesso em setores vitais ao nosso Estado arquipélago. Verifico com preocupação que são tomadas decisões cujo propósito e cuja lógica não se entendem, principalmente quando tudo levava a crer que medidas iam ser tomadas e elas até já haviam sido anunciadas, mas eis que as instituições públicas recuam e se se apequenam. Essas mesmas decisões que são tomadas num dia para se recuar no dia seguinte sinalizam que as mesmas não foram suficientemente amadurecidas", afirmou José Maria Neves, numa mensagem dirigida ao país.

Partidos com leituras opostas

O MpD, partido no poder, segundo o seu secretário-geral, Luís Carlos Silva, disse que "a quem recai a competência e a responsabilidade de governar é ao Governo e o Governo governa com base num programa que foi sufragado pelos cabo-verdianos",.

O presidente do PAICV, principal partido da oposição, Rui Semedo, considerou a intervenção do Presidente da República de "necessária, oportuna e equilibrada", ao chamar a atenção para a qualidade da nossa democracia quando caracteriza o espectro político fortemente marcado pela crispação e pelo desprezo pela cooperação institucional, pelo diálogo e pela conciliação”.

Aquiles Almada não vê crispação nem coabitaçao entre PR e PM em causa

O analista político Aquiles Almada, em conversa com a Voz da América, diz que o posicionamento do Presidente da República não deve colocar a causa a coabitação entre José Maria Neves, antigo presidente do PAICV, e Ulisses Correia e Silva, líder do MpD, porque "não interessa a ninguém".

De um lado, diz Almada, ao MpD, no poder, "não interessa tirar o epicentro do debate político do Parlamento e levá-lo para a Presidência", porque tem maioria na Assembleia Nacional e "tem todo o interesse que o debate político esteja centralizado no Parlamento".

Por seu lado, José Maria Neves também não terá interesse numa eventual crispação política porque a principal missão do Presidente da República é promover a moderação, "o bom funcionamento do Estado".

Almada aponta que "um eventual acirramento das críticas pelo Presidente da República faria com que o MpD visse nele o putativo líder da oposição ou o fáctico líder da oposição", o que lhe retiraria também "espaço de manobra política, o tal exerício da magistratura de influência, que é algo muito caro aos nosso Presidentes".

Aquele analista político chama a atenção para a necessidade de se centrar a intervenção de Neves nas recentes políticas tomadas para o sector dos transportes marítimos pelo Governo, mas também no facto de, em virtude de ter estado fora do país em dois momentos com alguma repercussão social, que lhe renderam algumas críticas, o Presidente da República tenha sentido a necessidade de dizer "meus senhores estou presente, estou aqui".