A decisão da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Cabo Verde de considerar um jornalista suspeito por ter revelado uma investigação criminal em curso há sete anos sobre um susposto envolvimento de membros da Polícia Judiciária, entre eles o então director nacional adjunto e hoje ministro da Administração Interna, e de investigar outro profissional e o director do jornal para o qual trabalha sobre o mesmo assunto provocou uma onda de críticas contra o que alguns chamaram de tentativa de silenciar a imprensa.
Num país que está entre os 30 onde há mais liberdade de imprensa no mundo, segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras, o assunto, que levou os profissionais da imprensa a se manifestarem e o próprio Presidente da República a pedir cautela no caso e que a liberdade de informação fosse preservada, coloca em debate a liberdade ou não da imprensa.
Outros factores também entram nesse debate.
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Falta de vontade política na criação de mecanismos claros de incentivo e regulação do mercado publicitário, já por si só pequeno, dificulta o funcionamento dos meios de comunicação social com destaque para o sector privado, dizem antigos e actuais profissionais do jornalismo cabo-verdiano ouvidos pela VOA.
A situação, na opinião dos mesmos, complica-se ainda mais quando jornalistas e órgãos de imprensa são constituídos arguidos por divulgarem matérias de interesse público consideradas em "segredo de justiça".
Na opinião de Carlos Gonçalves, antigo diretor da Rádio Nacional e da privada Rádio Comercial, após a instauração do regime multipartidário em 1991 faltou vontade para se adoptar uma verdadeira política que permitisse o funcionamento eficaz da comunicação social com realce para o sector privado.
A seu ver, sem mecanismos claros que permitam uma igualdade de oportunidades, torna-se difícil a vida da imprensa privada, o que reflecte num défice de pluralidade na liberdade de imprensa no país.
"Nunca se pensou num plano do que seria a comunicação social para o futuro dentro da democracia... eu acho que há um medo da afirmação deste quarto poder... por isso sempre se arranjam mil e uma coisas para coartar ou condicionar a liberdade", afirma Gonçalves.
Para Carlos Santos, jornalista da Rádio de Cabo Verde, não se pode falar de um verdadeiro pluralismo de expressão quando o sector privado navega num mar de dificuldades.
Não tendo os meios financeiros, humanos e tecnológicos, “fica complicado aos media privados exercerem da melhor forma”, afirma o antigo presidente da Associação dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC).
Processos judiciais inibem o jornalismo de investigação
No que toca ao jornalismo de investigação, sobretudo nos órgãos públicos, Santos diz que a forma como as redações estão organizadas não facilita, porquanto estão mais viradas para cobrir as agendas institucionais.
Ainda assim, considera que os próprios jornalistas “deviam ser mais ousados”.
No entanto, acrescenta que os posicionamentos recentes do Ministério Público acabam por condicionar e cortar tal ousadia de se fazer jornalismo de investigação.
"E é claro que os últimos acontecimentos como os processos judiciais contra os jornalistas, constituídos arguidos, condicionam um bocado, digamos, o atrevimento dos profissionais em avançar para o jornalismo de investigação quer queiramos quer não", realça Santos.
Por seu lado, o jornalista Elvis Carvalho, do portal Notícias do Norte, afirma que a auto-censura, muito destacada nos relatórios internacionais, não se resume apenas aos profissionais dos órgãos públicos.
Na óptica desse jovem jornalista, tal deve-se à pequenez do mercado e à “ausência de uma política clara de incentivos e regulação do mercado publicitário, o que inibe os profissionais e os próprios órgãos tendo em conta a necessidade de subsistência”.
Refira-se que organizações de defesa da liberdade de imprensa como Repórteres Sem Fronteiras e Comité de Protecção de Jornalistas criticaram a actuação da PGR e pediram que os casos sejam abandonados.