Cabo Verde é reconhecido a nível internacional por ser um exemplo em vários sectores em África, nomeadamente a nível da democracia, governação e solução de problemas básicos. Ultrapassado o espectro da fome, que ameaçava o futuro do arquipélago em 1975, apesar de 25 por cento da população viver ainda na pobreza, o arquipélago enfrenta agora sérios desafios, no campo social e económico. Três investigadores nascidos depois da independência analisam os riscos e desafios do país.
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O empresário e professor universitário Paulino Dias considera a mudança de mentalidade como o primeiro e grande desafio do país.
“A matriz em que o Estado liderava o crescimento económico, não existe mais, essa matriz está a ser transformada e é preciso que a mentalidade também se ajuste ao novo quadro, em que os indivíduos devem ser mais responsabilizados, em que o Estado deve ter um papel de regulação e de criação de condições para que sejam os cidadãos a assumirem o destino da sociedade”, explica Dias.
A mudança da mentalidade é o motor para um novo paradigma de desenvolvimento do país, apesar dos discursos que, muitas vezes, não perduram para além do evento em que são produzidos.
Nesse aspecto, questões sociais também merecem destaque nas políticas dos próximos anos, como defende a professora universitária Eurídice Monteiro.
“Emprego, melhoria da qualificação dos jovens, saúde, são questões essencialmente sociais que vão exigir uma demanda maior nos próximos tempos”, sugere Monteiro, lembrando a necessidade de criar condições para os jovens que não têm acesso ao ensino superior.
Com a graduação a país de rendimento médio, Cabo Verde começa a não ter acesso à ajuda internacional a fundo perdido, devendo, então, criar riqueza e recorrer à banca internacional.
" Para isso, também terá de começar a produzir muito mais", alerta aquela investigadora.
Este é um desafio para uma população acostumada, desde o tempo da colónia, a esperar pelo Estado. “É hora de vestir outra roupagem”, defende Paulino Dias.
“A nível macroeconómico, o país deve adaptar-se a este novo quadro, em termos de políticas, de legislação, de procedimentos e de tecnologia de suporte porque o Cabo Verde que teremos nos próximos 10, 20 e 50 anos deve ser completamente diferente”, sustenta aquele empresário.
Da mesma forma, Eurídice Monteiro aponta “a necessidade de se abandonar o discurso da ajuda e do apoio”, seguindo outras agendas, nomeadamente dos países e blocos económicos doadores, “para se garantir a sustentabilidade do país”.
A falta de consensos, no entanto, pode ser um empecilho à definição de uma estratégia nacional de desenvolvimento. O primeiro-ministro José Maria Neves defende a sua Agenda de Transformação, mas para o sociólogo e professor universitário Nardi Sousa, há um grave problema: não há consensos.
“Os partidos políticos, e dentro dos partidos, não conseguem chegar a consensos estratégicos porque existem interesses de grupos que são fortes e que põem em causa os interesses do país”, acusa Sousa que lembra a falta de “democracia nas comunidades, da praxis”.
Para aquele investigador, "a limitação de mandatos de eleitos locais, que se eternizam no poder, contra os interesses das comunidades, a luta contra a corrupção e a democracia social são temas que têm de ser discutidos nos próximos tempos.
Alguns observadores da política cabo-verdiana, no entanto, apontam o dedo a vários sectores que não vão bem e que, apesar de relatórios e discursos em sentido contrário, defendem mudanças profundas.
Nadir Sousa defende um aprofundamento da democracia e da justiça social, num país que apresenta muitas desigualdades e onde a corrupção começa a ganhar contornos preocupantes.
E por onde anda a elite cabo-verdiana?
Paulino Dias pergunta se se pode falar numa elite cabo-verdiana, "num país onde as pessoas lidam mal com a questão das elites, devido a uma certa ideia de igualdade generalzada", mas lembra que nenhum país se desenvolve sem elites.
Nardi Sousa vai mais longe e diz que o último grande pensador cabo-verdiano foi Amílcar Cabral.
"Ele pensou, antes, as zonas libertadas, a agricultura, a cultura, a educação, (...), mas os nossos políticos não pensam o futuro, não vão além dos seus mandatos, embora se possa citar a Agenda e Transformação do actual primeiro-ministro, que, no entanto é muito pouco", explica.
Para aquele sociólogo, as universidades devem ser chamadas a desenvolver um papel importante nos próximos tempos em Cabo Verde, um país que, segundo esses investigadores nascidos depois da independência continua a ser "asfixiado" pelos partidos e políticos.
Cabo Verde celebra, hoje, 5 de Julho, 40 anos como país independente.