Um grupo armado voltou a controlar a circulação rodoviária na EN380, a principal estrada de asfalto que liga os distritos de Macomia a Palma, na província moçambicana de Cabo Delgado e está a reter as viaturas e a mobilizar os passageiros para “apoiarem a guerra”.
O relato é feito à Voz da América por testemunhas no local.
Os rebeldes montaram uma barreira de controlo na ponte que separa os distritos de Muidumbe e Mocímboa da Praia, onde pararam e revistaram as viaturas que passavam, ao mesmo tempo que sensibilizaram os passageiros a “apoiarem a guerra”, que eles “juram” estar a travar contra o Governo para o bem da população, contou um morador.
Your browser doesn’t support HTML5
“Eles param a viatura e perguntam ‘vocês não sabem agradecer, essa guerra é nossa. Nós estamos a tentar resolver os vossos problemas, essa guerra é para o vosso bem. Então o que se passa usarem essa estrada e não conseguir deixar uns 100 meticais’ de agradecimento”, contou Ismael Ossufo, que viajava numa das viaturas, citando um dos insurgentes.
Outro passageiro que preferiu o anonimato disse que os rebeldes primeiro perguntam sobre a religião dos transeuntes, assegurando aos que professam a religião islâmica que nunca lhes acontecera mais nada, mas também sem prometer violência contra os cristãos.
“Dizem que essa guerra não é para prejudicar a população, mas para proteger riquezas, terras e pedras preciosas que estão a ser levados e a beneficiar infiéis”, acrescentou a mesma fonte.
Autocarro com atletas detido
Entretanto, ontem, 21, os insurgentes retiveram um autocarro que transportava atletas, técnicos e dirigentes desportivos do distrito de Mocímboa da Praia, que tinham participado da fase provincial, na capital Pemba, dos jogos escolares.
O veículo foi intercetado entre as aldeias Xitunda e Xinda, por um grupo de cerca de 11 terroristas, que trajavam uniformes oficiais das tropas moçambicana e ruandesa, mas sem outros acessórios como botas e capacetes, mas com chinelos, sapatilhas e chapéus comuns.
A viatura só foi libertada após uma consulta a um dos líderes terroristas.
Um dos ocupantes contou que inicialmente pensaram que se tratava da tropa oficial, mas a abordagem dos passageiros chamou a atenção até que começaram a mobilizar igualmente a população para apoiar a guerra, apresentando um comportamento menos hostil.
Outro ocupante, que pediu para não ser identificado, explicou que insurgentes “não arrancaram nada, só teriam tirado o telefone do chefe da delegação, porque desconfiaram que o fulano estivesse a enviar mensagens ou ligar”.
Depois da revista, “foram verificar que ele não tirou fotos, não comunicou, ele não enviou mensagens e devolveram telefone. Nenhuma pessoa foi retirada bem, mesmo o dinheiro que teria solicitado aos passageiros, que teriam recebido algumas moedinhas, uns 200, quando chegou a hora de nos dispensar devolveram aquele dinheiro aos donos”.
Busca de confiança
O investigador do Observatório do Meio Rural, João Feijó, considera que o grupo intensificou nos últimos meses um trabalho de aproximação com a população, “comprando os bens da população a preços generosos”.
Your browser doesn’t support HTML5
“Eles compram a comida à população a preços generosos, a população fica satisfeita porque tem ali o mercado, recebe proteção económica e de segurança dos insurgentes, e tudo indica que voltam a recuperar alguma capacidade de apoio da população”, anota João Feijó.
Your browser doesn’t support HTML5
A província de Cabo Delgado, rica em gás natural, está braços com ataques de grupos armados ligados ao Estado Islâmico desde 2017, que provocaram mais de mil mortos e cerca de quatro milhões deslocados.