Cabo Delgado: Novos ataques inviabilizam o regresso às zonas livres de terroristas

Cabo Delgado, deslocados de Palma abrigado no centro desportivo de Pemba

Analista diz quer a propaganda do Governo para o regresso deve ser acompanhada pela montagem de infraestruturas e serviços básicos

Os deslocados de guerra estão divididos quanto ao regresso às zonas libertadas nos distritos a norte da província de Cabo Delgado, agora alvos de uma onda de ataques esporádicos de grupo Estado Islâmico – Moçambique, apurou a VOA nesta terça, 5.

Uns defendem o regresso para terem uma “autonomia alimentar” e o “controlo das próprias vidas”, produzindo para a autossuficiência, enquanto outros entendem que a insegurança coloca em risco as suas vidas e os esforços para sobrevivência naquelas áreas.

“Mocímboa da Praia, nem em princípio do ano (2022) será habitável”, a analisar pela destruição do local que esteve por mais de um ano nas mãos dos insurgentes, afirmou à VOA Aua Abdul, uma deslocada que vive numa barraca improvisada no campo de Metuge, perto da capital, Pemba.

“As autoridades estão a fazer um registo para o regresso, mas o registo é só para nos encorajar”, porque não há condições para o regresso, acrescentou ela.

Um outro deslocado de Muidumbe, Salimo Henrique, que escapou de um ataque na sede distrital, em Abril de 2019, disse que se reconciliou com o trauma, mas sente que a segurança não está restabelecida para uma vida com tranquilidade.

Incerteza

“Não tenho certeza se devo regressar. É que os novos ataques dão medo, estão a baralhar as pessoas e isso é complicado” disse Henrique.

O deslocado que se encontra na capital, Pemba, atendeu o pedido de registo feito pelo governo para os que pretendiam regressar à origem, mas os novos ataques nos distritos de Mueda e Quissanga retraíram a ansiedade.

Um líder de um campo de deslocados em Metuge, falando na condição de anonimato, disse que várias pessoas estão divididas sobre o regresso, estando alguns com “saudade da terra” e que preferem sofrer na terra, e outros a não arriscar a insegurança.

“Quando amanhece eu vejo a temperatura e ouço a gritar ‘mandioca, mandioca’ a venda, me vem a lembrança, ‘se estivesse na minha terra, estaria a tirar mandioca’”, lamenta o líder muçulmano, que fugiu de Awasse.

No sábado, um grupo armado invadiu uma aldeia de Mueda a procura de comida, depois de, na semana anterior, terem sido feridos, pelo menos, 15 pessoas.

Recuperação

O governo moçambicano orçou em 300 milhões de dólares para operacionalizar um Plano de Ação de Reconstrução de Cabo Delgado, nomeadamente nos distritos libertados da ocupação de grupos terroristas nos últimos anos.

Para o analista moçambicano Wilker Dias, a propaganda do Governo para o regresso deve ser acompanhada pela montagem das infraestruturas e serviços básicos, como escolas, hospitais, água e energia e uma garantia de segurança, porque os ataques estão a ocorrer em áreas não distantes das zonas libertadas.

“É preciso que a estrutura governamental esteja montada nas áreas libertadas, para que as pessoas possam recorrer em caso de insegurança ou em caso de dúvidas, para que não sejam submetidos ao comando militar” que tem o controle das áreas, defendeu Wilker Dias.

O conflito armado em Cabo Delgado já provocou mais de 3.100 mortos, segundo o projecto de registo de conflitos ACLED, e mais de 820 mil deslocados.