O “caso Álex Saab” não poderia ter existido e está revestido de uma ilegalidade absoluta desde o início, afirmou o advogado espanhol Baltasar Garzón, da equipa internacional de defesa do empresário colombiano detido em Cabo Verde e que tem um pedido de extradição para os Estados Unidos.
Em entrevista à VOA, o conhecido antigo juiz espanhol, disse que o processo está a ser instrumentalizado para consequir que Saab seja extraditado para os Estados Unidos, onde será utilizado como meio para um fim, que é chegar ao Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.
O advogado reitera que a defesa tem em curso vários recursos, que levará o caso a todas as instâncias jurídicas e de defesa dos direitos humanos e acusa as autoridades cabo-verdianas de criarem uma carreira de obstáculos permanentes.
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VOA - Qual é a posição da defesa neste momento quando o caso está no Supremo Tribunal da Justiça de Cabo Verde?
Baltasar Garzón – Estamos esperando a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que acolheu o recurso, sem prejuízo de uma série de trámites em marcha, com pedidos simultâneos que afetam a liberdade pessoal do sr. Saab e a sua saúde, lembro o habeas corpus que foi negado, pedimos uma aclaração e estamos pendentes da decisão em relação à privação da liberdade.
VOA – Qual é o enfoque da sua defesa neste momento? Em entrevistas anteriores criticou as autoridades cabo-verdianas, disse que o seu constituinte não teve um julgamento justo e afirmou haver interferência dos Estados Unidos. Na sua opinião, o que está em jogo?
Baltasar Garzón – Desde o momento da sua detenção, o sr. Saab tem sido prejudicado por uma série de iregularidades, que consideramos graves, uma verdadeira perseguição política, em que se confrontam Estados Unidos e Venezuela. Há uma clara falta de proporcionalidade na acusação, o processo devido não está a ser respeitado e portanto as garantias processuais em caso dele ser extraditado para os Estados Unidos não serão respeitadas porque há uma raiz iminentemente política.
De todas as formas, o pecado original deste processo e do qual se deriva a absoluta ilegalidade e as demais violações de direitos humanos fundamentais é o fato de que se trata de uma detenção arbitrária, que quebranta a legalidade ao não respeitar a inviolabidade das imunidades diplomáticas. Não podemos esquecer que o sr. Álex Saabé enviado especial da Venezuela para assuntos humanitários e, portanto, está protegido pela Convenção de 1969 e, por isso, este processo não devia ter sido iniciado. E embora Cabo Verde não tenha sido signatário dessa Convenção, a prática internacional assim o estabelece. E é isso que, nos últimos dias, temos solicitado às autoridades de Cabo Verde. Além disso, deportaram, em duas ocasiões, um dos integrantes da equipa de defesa, uma defesa internacional.
É uma corrida permanente de obstáculos, em que dificilmente podemos ter acesso ao nosso cliente. Tudo isto junto, nos dá uma perspetiva de uma extraordinária relevância negativa para poder afirmar que estamos perante um processo normal de extradição.
Instrumentalização do processo
VOA – Há ou não uma acusação formal nos Estados Unidos contra o seu constituinte?
Baltasar Garzón – Sim, sim. A petição de extradição assenta-se numa acusação em que figuram presuntos crimes de branqueamento de capitais derivados de presuntas práticas de corrupção internacional. Entretanto, o que a defesa mostra é que esta acusação é absolutamente infundada. Não corresponde à realidade, o título jurisdicional que utilizaram não é válido e os fatos de que o acusam foram objeto de investigações abertas em Equador e também em Venezuela. A petição de extradição baseia-se numa acusação de branqueamento de capitais, mas qualquer que ler minimamente o texto da documentação concluirá que não há um caso. Não há fundamentos. Não tivemos acesso a toda informação e se o que existe é o que consta do processo de extradição, temos de dizer que é uma construção instrumentalizada para consequir que o sr. Saab vá para os Estados Unidos e seja utilizado como meio para um fim, em que o meio é ele e o fim é chegar ao Presidente Maduro.
Cremos que vemos isto claramente neste processo e queremos colocar isso em relevo para que as autoridades judiciais cabo-verdianas analisem a fundo este assunto, não nos fatos porque, como você sabe bem, num processo de extradição não se pode entrar no conteúdo dos fatos, e aqui são praticamente inexistentes.
VOA: Além do recurso no Supremo Tribunal de Justiça, que outros recursos poderá usar? No início, falou-se da possibilidade de recorrer ao Tribunal Penal Internacional, que Estados Unidos não reconhecem…
Baltasar Garzón : Há muitos recursos pendentes como lhe disse na primeira questão. Há um recurso administrativo contra a sra. ministra (da Justiça) de reconhecer o trámite (do processo) e não cumprir o princípio fundamental que afeta a soberania do país, o da não reciprocidade. Os Estados Unidos não reconhecem a reciprocidade a Cabo Verde. Ao não existir um tratado bilateral, se a solicitação fosse ao contrário, os Estados Unidos nunca aceitariam entregar uma pessoa nessas condições. Portanto, a sra. ministra abusou do seu poder e violou o princípio da soberania nacional.
Também aguardamos o pedido de esclarecimento do Tribunal Constitiucional em relação ao habeas corpus porque se disse que estava dependente da decisão do tribunal de apelação, mas não viram bem que era um habeas corpus, portanto, é uma questão de liberdade, que não tem outro caminho que não seja um recurso de amparo. Creio que deviam ter analisado este assunto a fundo, mas não fizeram, também esperamos o recurso pendente contra a prisão pelo tribunal de apelação e a propria decisão de extradição.
Quanto à questão do Tribunal Penal Internacional, nunca houve essa intenção porque não é da sua competência nem jurisdição e, por outro lado, os Estados Unidos não o reconhecem. Esse erro vem do fato, também, de se ter referido ao Tribunal Internacional de Justiça, que também tem sede em Haia, mas também nunca se abordou essa possibilidade porque, como sabe, só Estados podem recorrer a esse tribunal.
O que, sim, está na linha de ação da defesa é recorrer a todas as instâncias judiciais e de defesa dos direitos humanos, regionais e internacionais, tanto das Nações Unidas como da União Africana, à medida que as situações surjam. Cremos que estão a ser abusados os direitos humanos dessa pessoa (Álex Saab), e isso independentemente de que se chame sr. Álex Naim Saab, que seja colombiano ou venezuelano, ou que sejam os Estados Unidos que o pedem. Não estão a ser respeitados os direitos e as normas e é isso que estamos a denunciar.
VOA – O jornal El Nuevo Herald, de Miami, noticiou que dois empresários cabo-verdianos encontraram-se com o Presidente Maduro, supostamente como enviados de Cabo Verde, cujo Ministério dos Negócios Estrangeiros prontamente desmentiu, dizendo que não enviou nenhuma missão à Venezuela. Acredita numa saída diplomática para este caso?
Baltasar Garzón – Conheço a informação, mas não a realidade da mesma, não sei as fontes que o jornalista tem, desconheço se são (informações) certas de entrada no país, desconheço se efetivamente foi assim, se iam avistar-se com quem, não sei. O que lhe posso dizer é que, do lado da defesa, os argumentos que estamos a usar são estritamente jurídicos, formam parte exclusivamente da relação advogado-cliente, não há interferência do Governo da Venezuela,não houve qualquer contato nesse sentido. Estamos a usar as normas nacionais dos Estados Unidos, de Cabo Verde, da Venezuela, e a nível internacional para afirmar o que é evidente: desde o início, há uma ilegalidade absoluta, como a prisão que aconteceu antes que a ordem estivesse na Interpol, e vamos continuar até conseguir uma decisão sustentada.
Baltasar Garzón foi juiz de 1981 a 2012 e desde então é advogado e diretor da Ilocad, International Legal Office for Cooperation and Development, o gabinete de advocacia por ele criado e com sede em Madrid, na Espanha.
Caso Álex Saab
Álex Saab foi detido a 12 de junho em Cabo Verde quando estava a caminho do Irão, onde, segundo o Governo da Venezuela, iria negociar a compra de produtos e bens para o país.
Ele foi detido a pedido dos Estados Unidos que o acusam de vários crimes, como lavagem de mais de 350 milhões de dólares nos bancos americanos.
O Tribunal de Relação de Barlavento ratificou a prisão preventiva do empresário, que teve dois pedidos de habeas corpus recusado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
No passado dia 31 de julho, o mesmo tribunal, na iha de São Vicente, decidiu pela extradição de Saab para os Estados Unidos.
Como a VOA informou na altura a defesa recoreu ao STJ que ainda não se pronunciou.
O caso atraiu a atenção nacional e a nível internacional, com informações de muitas pressões sobre as autoridades de Cabo Verde.
O próprio Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, num raro pronunciamento quando questionado por jornalistas, a 2 de julho, revelou ter recebido muitas chamadas de Chefes de Estado de vários países mas que o assunto era essencialmente da esfera judicial.
"Tanto é assim que não me lembro de receber tantos telefonemas, chamadas de chefes de Estado estrangeiros", disse Jorge Carlos Fonseca sem dar mais detalhes, acrescentando, no entanto, estar seguro que o caso“será conduzido de acordo com as regras próprias de um Estado de direito democrático".
O Governo, por seu lado, através do primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, da ministra da Justiça, Janine Lélis, e do ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Filipe Tavares, têm repetido que o caso é da exclusiva responsabilidade da justiça e que o Executivo aceitará a decisão dos tribunais.