Moçambique enfrenta o risco de os fatores de Unidade Nacional se fragmentarem, com as assimetrias regionais e a sensação de que há uns moçambicanos que têm acesso a oportunidades e outros que não as têm, afirmam analistas.
Para eles, aquilo que une os moçambicanos hoje já não é a independência nacional.
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A Frelimo sempre teve a Unidade Nacional como objectivo sagrado, porque foi com a convicção desta unidade que se conseguiu fazer a luta pela independência, quando os diferentes movimentos aceitaram dissolver-se e criar uma única frente.
A ideia de Unidade Nacional vingou porque houve um factor muito concreto e claro, que era a unidade para libertar o país do domínio estrangeiro, já que não podia haver moçambicano que não quisesse a liberdade sobre a colonização.
Veja Também A “Unidade Nacional” pode ajudar Moçambique a ultrapassar os seus desafios, diz Calton CadeadoConquistada a independência nacional, a Frelimo manteve o discurso de Unidade Nacional, mesmo no tempo do socialismo, mas, segundo analistas, tendo em conta que Moçambique registou algum desenvolvimento, torna-se necessário reiventar os factores de Unidade Nacional.
Fatores de unidade nacional
"Quais são os factores de Unidade Nacional hoje?", interroga-se o analista e jurista Tomás Vieira Mário, para quem, aquilo que une os moçambicanos "já não é a independência nacional".
"Temos que recriar os factores de Unidade Nacional, porque se não o fizermos, eles fragmentam-se, e esse risco existe", alertou aquele jurista, acrescentando que os pontos críticos da Unidade Nacional têm a ver com "esta sensação de que há uns que têm acesso a oportunidades e outros que não o têm".
Chamou a atenção para o facto de que isso tem sido explorado em termos étnico-tribal e regional, "e para a eleição do Presidente da República, até parece oficial dizer que agora é a vez do norte ou do centro, porque perdemos o referente do que é o factor de Unidade Nacional".
"Na minha opinião, falta um pensamento sobre como é que podemos todos, ter acesso às mesmas oportunidades. Este é o risco de que a Unidade Nacional se fragmente, e este risco é muito concreto", considerou Tomás Vieira Mário.
O domínio do sul
Contudo, o político Sande Carmona diz que a questão da divisão etno-linguística ou tribal não entra no debate sobre a unidade Nacional, porque há países com muitas línguas mas que não discutem este assunto, e acusa o Governo de ser o promotor da desunião e do domínio político e económico do sul sobre o resto do país.
"O principal promotor da desunião do povo moçambicano é o próprio Governo, que não apresenta políticas claras sobre a união dos moçambicanos", acusou.
Tomás Vieira Mário não discute a ideia de que existe um domínio político do sul sobre o norte e o centro do país, porque não se sabe quantas pessoas dessas regiões estão no Governo, mas aquilo que é evidente são as assimetrias regionais, em termos de desenvolvimento.
Anotou que Maputo-província e Maputo-cidade "fugiram de forma incrível de todo o resto; as províncias de Niassa e Cabo Delgado ficaram, nos últimos 20 anos, ainda mais longe de Maputo, porque houve aqui um investimento de grande vulto, nomeadamente a fundição de alumínio Mozal, a Estrada-Circular, a Ponte Maputo-KaTembe, para além do "boom" na indústria Imobiliária".
O director do Centro de Integridade Pública (CIP), Edson Cortez, confirma este sentimento de pessoas, colhido em Quelimane, na província central da Zambézia, onde, em 2018, foi fazer a cobertura eleitoral.
Assimetrias
"Tive a oportunidade de falar com muitos eleitores, e muitos deles disseram, na altura, que na campanha do candidato da Frelimo só viam as mudanças que tinham sido feitas em Maputo, nomeadamente, a Estrada Circular, a Ponte Maputo-KaTembe e interrogavam-se: esse Estado só pensa em Maputo, e nós cá nas províncias?", destacou o director do CIP.
E a questão é: será que as assimetrias regionais corrompem a Unidade Nacional e são ponto de um potencial conflito evidente em Moçambique? Tomás Vieira Mário diz que sim, porque "hoje em dia, fala-se à boca cheia do Sul, do Norte e do Centro".
Aquele académico sublinhou que "até para a eleição do Presidente da República, já parece oficial dizer: agora é a vez do Norte ou do Centro, o que quer dizer que perdemos o referente de o que é o fator de unidade nacional, porque falta um pensamento sobre como é que podemos ter todos acesso às mesmas oportunidades".