Angola tem vindo a registar nas últimas semanas um elevado número de mortes nos hospitais de referência devido ao surto de febre amarela e a malária. Duas epidemias que trazem à tona o real estado de saúde do país.
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A situação sanitária do país está a ser descrita por analistas como desoladora que resulta da falta da sensibilidade das autoridades- na elaboração do Orçamento Geral do Estado- em relação aos sectores prioritários.
A deficiente fiscalização das verbas cabimentadas para este sector é outra questão levantada pelos analistas numa altura em que a febre amarela, apesar de abrandar, continua a somar mortes, perfazendo um total 179 pessoas num quadro que aponta para mais de 1200 casos registados de Dezembro de 2015 à 23 Março deste ano.
Para a deputada da bancada parlamentar da UNITA Mihaela Weba esta situação representa falta de protecção da vida humana em Angola, onde as autoridades “pouco fazem para a elevação da qualidade de vida do tecido social mais desfavorecido”.
A parlamentar aponta por outro lado a ausência de políticas que promovam as condições para que os cuidados primários de saúde em Angola sejam gratuitos, de fácil acesso e com qualidade, por isso é de opinião que falta no Estado angolano “condições para garantir aos doentes uma assistência médica e medicamentosa de qualidade”.
Em Luanda, o Hospital Pediátrico David Bernardino, a unidade sanitária especializada no tratamento de crianças, chegou a registar 25 mortes por dia. Faltava um pouco de tudo naquela unidade sanitária desde luvas, seringas, agulhas, e diversos materiais gastáveis essenciais para salvar as dezenas de crianças que acorriam àquela unidade hospitalar.
Um repto nas redes sociais lançado pelas enfermeiras tocou a sensibilidade de vários cidadãos que se prontificaram a ajudar o hospital :Uns fazendo trabalhos voluntários de recolha de donativos para acudir outros doando diversos materiais inclusive sangue.
Para o jornalista Reginaldo Silva os hospitais do país, sobretudo os da periferia, estão em crise, pelo facto, apela as autoridades a encontrarem uma solução que ponha fim ao drama que se vive um pouco por toda Angola.
O analista defende que as acções “paliativas” para ajudar as unidades sanitárias que se vêm desencadeando “são insustentáveis e podem não resolver o real problema da saúde em Angola”.
O número elevado de óbitos em Luanda resultou na enchente das morgues que não conseguiam satisfazer a demanda e consequente o número de funerais nos cemitérios da capital do Estado cuja economia já foi considerada como a que mais cresceu nos últimos anos.
Nas redes sociais foram postas a circular algumas imagens de mostravam a principal e maior morgue de Luanda em condições precárias, por falta de espaços para conservação dos corpos.
O jornal O País, o único diário privado em Angola, divulgou numa reportagem dados segundo os quais em apenas uma semana foram contabilizados mais de 1100 funerais.
O Governo Provincial precisa encontrar uma solução, sobretudo para a Morgue Central de Luanda, diz Reginaldo Silva, para quem, por outro lado, o colapso da saúde em Angola “é uma crise anunciada” que se agravou por causa das chuvas, do lixo e das lagoas que se apoderaram da capital, atrapalhando a sua paisagem.
«A crise dos hospitais estava anunciada, é uma crise de financiamento público. A partir de 2014-2015 os recursos previstos nos orçamentos dos hospitais começou a ser coberto a um nível que deixou de ser sustentável e acabou por resultar nisto. Portanto, é bom que o Estado assuma as suas responsabilidades e explique porquê que o financiamento dos hospitais públicos atingiu estes níveis», referiu.
Um orçamento a altura das reais necessidades dos hospitais contribuiria para redução do número de mortes. O problema da saúde no país deve ser resolvido olhando-se para as questões prioritárias e não para os problemas de natureza política.
«Tudo que é apoio, solidariedade, iniciativa é muito bem-vindo, mas não vai ser sustentável se na base, os orçamentos hospitalares não serem tidos em conta», explica o jornalista.
O sector social_ que abarca a saúde e educação_ deve ser sempre prioridade, daí a necessidade de se incrementar uma maior afetação de verbas de modos a que se garantam as mínimas condições de saúde e a redução do analfabetismo.
«A quando da aprovação do Orçamento Geral do Estado de 2016, em Dezembro do ano passado, ouvimos o Executivo vir a público dizer que o sector soial não teve baixa, pelo contrário foi incrementado mais verbas para o sector social», refere a deputada Mihaela Weba.
As precárias condições de saúde do país- e de Luanda em particular neste ano- resultam da negligência deste importante seguimento na elaboração do Orçamento Geral do Estado, por isso, o analista Faustino Mumbika refere que o país vê-se à braços com as consequências das políticas implementadas pelo governo no ano passado.
Para Mumbika, a situação agravou-se porque o OGE do ano passado cabimentou apenas 221 milhões de dólares para saúde em Luanda, sendo que 133 mil dólares foram usados para combater a malária, o que na sua visão é uma verba insuficiente.
«Para a questão do programa do combate as grandes endemias 47 mil dólares. Todos estes aspectos foram negligenciados em 2015, e estão a se manifestar agora as consequências em 2016. Passados para 206 a situação agrava-se, se em 2015 tivemos 147 milhões, este ano temos 136 milhões. Significa que a redução foi próximo dos 50 porcento», explicou o analista para quem “a situação que se vive actualmente é resultante das más políticas do Executivo que está sem capacidade de dar resposta à situação”.
O deficiente saneamento básico da capital angolana piorou o quadro sanitário. Para por cobro a esta situação, o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, criou uma comissão interministerial de combate ao lixo, que no prazo de 90 dias deverá restituir à Luanda a sua higiene.
No que se refere ao combate ao lixo, segundo informação divulgada pelo Ministro de Estado e Chefe da Casa Militar da Presidência da República, Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, estarão envolvidas empresas chinesas.
Para vencer a luta contra as duas epidemias que assolam o país, o Estado angolano disponibilizou mais de 30 milhões de dólares. Segundo oMinistro da Saúde de Angola, Luís Gomes Sambo, as verbas, que deverão ser reforçadas, servirão para compra de vacinas, medicamentos e outros materiais médico.
O analista Faustino Mumbika lamenta o facto do OGE para o ano económico 2016 não prever verbas para recolha de lixo em Luanda.
Três milhões de dólares é o valor previsto no Orçamento Geral do Estado deste ano para combater a malária na capital mais cara do mundo, onde morrem dezenas pessoas vítimas desta doença. Mumbika critica a distribuição alegadamente “injusta” das receitas, fazendo uma comparação entre as verbas previstas para o combate à malária e a dotação orçamental cabimentada para os serviços de apoio ao Vice-presidente da República, na ordem dos 14 milhões.
«O combate a malária envolve quantos cidadãos? Estamos a falar de 6 milhões de cidadãos, que se beneficiam de 3 milhões enquanto o vice-presidente da república beneficia de 14 milhões», referiu analista para quem é preciso a distribuição das receitas no OGE seja feita com justeza.
O analista sublinha por outro lado que «há uma necessidade de rever o orçamento geral do Estado, não pela quantidade de verbas, mas sobretudo porque do ponto de vista político é um orçamento que agride os cidadãos».
Para Reginaldo Silva o problema da escassez de recursos e de meios no sector da saúde prende-se em parte com a execução orçamental.
«O OGE é uma previsão de receitas e despesas, só que na hora de execução devido aos constrangimentos que a previsão de receitas vai sofrendo o gestor global do orçamento começa a apertar», assegurou o analista que defende por outro lado que os cortes no orçamento do Estado, devido a instalação da crise, não teve em atenção os sectores sensíveis da sociedade como é o da saúde.
«Há claramente aqui um problema de corte de financiamento público aos hospitais. Isto é que explica toda esta situação», rematou.
Por seu turno a deputada Mihaela Weba, fala da responsabilização dos culpados pelas mortes nos hospitais e pela falta de fiscalização das unidades sanitárias no acto de execussão do orçamento.
Para a especialista em direito, a indisponibilização das verbas alocadas para saúde deve dar lugar a responsabilização do autor dos desvio.
Esta responsabilização deve ser de carácter criminal, dado ao facto do problema ser de natureza política, conforme defende Faustino Mumbika.
O Fundo Global de Luta Contra Sida, Tuberculose e Malária, deu a conhecer este mês o relatório de um inquérito mandado instaurar aos projectos financiados por aquela organização em Angola e que concluiu ter havido “de forma deliberada o desvio de quatro milhões de dólares americanos em fundos do programa da malária”.
As acusações apontam para a coordenadora financeira da Unidade Técnica de Gestão (UTG) do Ministério da Saúde, Sónia Neves, e coordenador-adjunto do Programa Nacional de Controlo do Paludismo (PNCM) Nilton Saraiva, que, de acordo com a auditoria “ocultaram os desvios com documentação forjada e informação falsificada para dar as transacções uma aparência de legitimidade”.
Segundo o Ministério da Saúde de Angola os acusados já estão a contas com a justiça e os valores já foram devolvidos.
Faustino Mumbika conclui questionando a seriedade das autoridades angolanas quando o reforço das verbas para o combate à malária fica dependente de três cidadãos que supostamente “delapidaram” o erário público.