Quando o “autocarro do amor” chegava à prisão de São Paulo de Luanda os presos sentiam o terror e o medo de que eles poderiam ser os próximos a serem levados para a morte num local desconhecido.
Your browser doesn’t support HTML5
Essa á uma das histórias contadas no livro “São Paulo, Prisão de Luanda” em que o dia-a-dia dos presos políticos angolanos nos anos de 1970, é relatado por Carlos Taveira que esteve ali detido mais de dois anos, antes e depois da tentativa de golpe de estado de 27 de Maio de 1977 que resultou na prisão, tortura e morte de milhares de pessoas.
Mas o autor diz que o livro “não é uma acusação contra qualquer pessoa, não é um livro de ajuste de contas” mas sim uma lição sobre “as consequências do monolitismo político”.
“É um livro de momentos, de coisas que se passaram na cadeia de coisas humorísticas, mesmo”, disse Taveira que recordou como os presos jogavam xadrez comunicando de cela para cela através das sanitas nas celas que eram buracos no chão e serviam de câmara de eco.
Taveira foi preso em Dezembro de 1976 sob acusação de pertencer à Organização Comunista de Angola, OCA, que se opunha à presença soviética e cubana em Angola, portanto antes da tentativa de golpe de Nito Alves em 27 de Maio de 1977.
O escritor disse que a cadeia foi tomada de assalto por elementos ligados a Nito Alves para soltar os seus apoiantes que ali se encontravam presos.
“Tivemos debaixo de fogo quatro ou cinco horas”, recordou Carlos Taveira que sublinhou que os apoiantes de Nito Alves apoiavam “ideias opostas da OCA” por se considerarem marxistas da linha soviética e “quando entraram disseram-nos que nos iam matar nesse dia”.
Membros da chamada Revolta Activa que ali se encontravam detidos foram também ameaçados de morte pelos aderentes de Nito Alves .
“Puseram-nos contra uma parede”, recordou.
“Felizmente para mim e infelizmente para eles perderam o golpe e eu celebro hoje o 27 de Maio como um segundo nascimento”.
“O que aconteceu depois foi horrível”.
Até ao 27 de Maio, disse Taveira “não havia tortura” na prisão porque o dirigente da policia politica DISA, que lá se encontrava, Helder Neto, “não acreditava nisso” preferindo tentar “recuperar “ os presos para trabalhar com eles.
“Ele suicidou-se no 27 de Maio e depois começou a tortura a cheio", contou.
“Todos os que entraram depois do 27 de Maio passaram pela sala de torturas, alguns foram barbaramente torturados e alguns morreram de tortura, enquanto outros eram levados simplesmente à noite para serem mortos”, recordou.
“Esse era o nosso medo. Cada vez que aparecia o “autocarro do amor” para levar gente para ser fuzilada havia um ambiente de terror”, disse recordando que numa noite foram levados 16 ex polícias para serem fuzilados.
“Foram levados debaixo de pancada até ao “autocarro do amor” e os 16 numa noite desapareceram”, recordou.
Carlos Taveira disse que o seu livro deve ser uma lição sobre o que “um regime monolítico que quer impor o seu pensamento pode fazer”.
Para si mesmo a cadeia de São Paulo e o que viu e passou por lá foi uma lição sobre isso: “Entrei um indivíduo talvez com ideias extremistas e saí de lá um democrata”, disse.