Angola: Dúvidas sobre idoneidade da justiça são entraves à cooperação

A percepção da falta de idoneidade do sistema de justiça angolano continua a afetar a imagem de Angola no exterior, dificultando iniciativas como os esforços para a recuperação de ativo ilegalmente levados para o estrangeiro e mesmo a extradição de individualidades acusadas de fraude e corrupção envolvendo bens do Estado.

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Num artigo de opinião publicado no portal Maka Angola o professor e investigador pela universidade de Oxford do Reino Unido Rui Verde, traz vários exemplos de decisões de tribunais estrangeiros em como estes não confiam no sistema de justiça de Angola nomeadamente o tribunal constitucional de Espanha que negou a extradição para Angola do antigo colaborador para economia do Presidente angolano, Carlos Panzo, condenado por corrupção.

O fundamento da instância espanhola pela sua decisão foi o que disse ser a falta de independência dos órgãos de justiça de Angola ao poder executivo.

Outro exemplo mencionado é do tribunal suíço que no caso do empresário Carlos São Vicente, terá decretado suspensão de cooperação com as autoridades judiciais angolanas devido ao que chamou de falta de imparcialidade no tratamento do caso.

Estes e outros exemplos concretos levam a que o autor do artigo Rui Verde ouvido pela VOA entenda que a justiça angolana não é bem vista lá fora.

"Não basta discursos políticos é preciso no terreno haver esforço intenso, o poder judicial é bastante dependente do poder executivo, isto tem que ser revisto a nível das leis, os poderes e a relação da PGR com o poder executivo têm que ser revistos, sobretudo o poder judicial que parece um bocado parado no meio disto tudo.

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“Só se fala da PGR e o poder judicial não aparece a fazer nada que é uma coisa estranha porque quem devia andar nestas tarefas essencialmente de recuperação de activos se calhar era o poder judicial e os juízes," disse Rui Verde para quem existem dois elementos em falta na justiça angolana.

"Por um lado não é eficaz, por outro lado não comunica bem, não explica o que faz e o que não faz (que) são duas coisas fundamentais, (e) depois escondem-se no segredo de justiça que serve para tudo, sobretudo para não se fazer nada”.

E isto segundo o jurista atrapalha outras áreas.

"O investimento privado fica afectado em Angola sobretudo agora que se está atrás do investimento privado norte-americano, (pois) como sabe os americanos baseiam muito na justiça e nas leis para resolver os seus problemas, tem que haver em Angola um sistema de justiça a funcionar, para que o investimento americano e outros venham".

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Outro jurista e investigador mas pelo Observatório, Coesão Social e Justiça, Zola Bambi diz ser evidente a fragilidade da justiça no país.

"Em Angola não há poder à parte, a justiça está a reboque do poder executivo, e do partido no poder, não se realiza justiça com independência, os magistrados não são livres nem isentos a decidir, não temos justiça para confiar e não há reforma que resolva isto”, disse.

“Estes casos relatados por estes tribunais estrangeiros não são casos isolados é o próprio sistema que funciona com ordens superiores, sentenças encomendadas, há vários elementos de prova de que o nosso sistema de justiça enferma de muitos vícios, a forma como trata o processo de Isabel dos Santos e outras figuras, nas nossas cadeias há mais gatunos de galinha e de botija de gás", disse

O jurista Manuel Cangundo opinou que “o próprio sistema de justiça tem dado evidências de que não age com transparência, não age com idoneidade, independência e autonomia, é um sistema de justiça e aqui falo dos tribunais que age sob orientação do poder político, em Angola não existe separação de poder que belisca a isenção e imparcialidade na condução dos processos judiciais”, acrescentou.

A VOA tentou ao telefone contactar o ministro da justiça e dos Direitos Humanos Marcy Lopes mas não obtivemos resposta. Ficamos a saber por fonte próxima a Marcy Lopes que tanto o ministro da Justiça de Angola como outros membros do Executivo encontram-se no Cuanza Sul, na comitiva do presidente da república que visita a província em trabalho.

Mas a salientar que anteriormente o Presidente João Lourenço negou haver interferência na justiça em Angola.

Lourenço que falava numa cerimónia de abertura do ano judicial disse que “o Chefe de Estado não vai interferir na ação da justiça, em violação à Constituição, como pretendem alguns que o faça."