Angola: como não deixar jovens universitários sem estudo, e não eliminar os professores que não pertencem ao Estado?

  • Danielle Stescki

Chocolate Brás, psicólogo escolar

Embora muitas instituições de ensino superior estivessem engajadas para garantir que houvesse a continuidade das atividades letivas à distância, um levantamento feito por pesquisadores e pelo Ministério do Ensino Superior concluiu que grande parte dos estudantes não conseguia ter aulas à distância. Em entrevista à Voz da América, o psicólogo escolar Chocolate Brás abordou a situação da educação e das teleaulas em Angola durante o período do COVID-19.

Brás mencionou que entre os maiores desafios que os estudantes e docentes enfrentavam estava a falta de acesso à Internet, porque os planos não são acessíveis: um pacote da Internet custa 20 mil kwanzas, o equivalente a 33.96 doláres.

A falta de acesso a materiais eletrónicos, como computador, smartphone e tablet, assim como os graves problemas que o país tem com a distribuição de energia elétrica, dificultaram ainda mais a vida dos estudantes, disse o professor.

Outro fator citado por Brás foi que grande parte dos jovens que frequenta as universidades privadas trabalha no mercado informal para pagar pelos seus estudos. Como o mercado informal foi afetado pelo decreto do Estado de Emergência, os estudantes não puderam obter rendimentos, e portanto não houve meios de pagar as propinas.

O psicólogo escolar explicou que após a conclusão do estudo, os órgãos responsáveis entenderam que o ensino à distância estava aumentando as desigualdades sociais. Desde o final do mês de abril até hoje não há mais aulas para estudantes universitários.

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Professores do ensino superior privado sentem-se abandonados pelo Estado

E os professores, estão a receber salários?

Angola possui 90 instituições de ensino superior, sendo que 63 são instituições privadas. Há 350 mil estudantes e mais de 11 mil docentes.

Chocolate Brás explicou que os professores angolanos estão em dois grupos distintos: os que pertencem ao ensino universitário público e os que lecionam em universidades privadas.

"Nós temos no ensino privado 60 a 70% dos docentes do país no ensino superior, então isso quer dizer que a maioria está sem salário".

Brás mencionou o comunicado feito pelo Ministério do Trabalho que diz que diversos professores que atuam no setor privado têm uma relação com as instituições de ensino superior público.

"Mas se você vai estudar a distribuição geográfica e demográfica desses professores vai compreender que não é objetivamente isso. Portanto, estamos a falar de cerca de 50 a 60 por cento de professores que nao têm qualquer rendimento desde o mês de abril."

Brás destacou que os professores do setor privado são pagos em regime de prestação de serviços, o que significa que muitos estão desde dezembro sem receber qualquer salário.

Há algum programa do Estado para minimizar a situação?

Chocolate Brás disse que "pouco se discute quais são os tipos de intervenção que o governo pode ter em situações de crise. Infelizmente o Estado não conseguiu assumir uma posição de assistência a esses professores".

E afirmou categoricamente: "O Estado entregou a sua sorte aos professores".

Psicólogo escolar Chocolate Brás, professor do IMETRO

Brás mencionou que foi descoberto que grande parte das instituições privadas não inscreveu os docentes na segurança social. "Não se sabe como as coisas vão continuar."

O que muitos professores têm feito é tentar encontrar alternativas de rendimento, como trabalhar de mototáxi ou oferecer serviços que atendam as necessidades básicas da população.

"Aqueles que só têm formação académica estão numa situação mais difícil. Há uma sensação de abandono por parte desses professores."

Enquanto isso, algumas universidades privadas já pediram falência e outras estão em processo de serem vendidas, contou o professor.

"O compromisso social e a responsabilidade social de determinados poderes, executivo, legislativo, judiciário, são um processo em construção. Não temos histórico por parte dessas instituições. As pessoas tentam sobreviver como podem."

Teleaulas

Desde março, Chocolate Brás está a estudar a educação à distância, seja por meio das rádioaulas e teleaulas adotadas pelo Ministério da Educação, seja por meio das atividades à distância orientadas pelo ensino superior privado. Um artigo com todos os resultados está prestes a ser publicado.

Brás explicou que as teleaulas foram uma parceria do Ministério da Educação com o UNICEF e o Banco Mundial. Elas começaram a ser emitidas num canal público de TV e rádio no dia 2 abril, como alternativa do processo de ensino presencial para alunos da classe de iniciação até a nona classe. As aulas são transmitidas das 11 às 13 horas.

Segundo Brás, o estudo que foi realizado com pais de alunos de 27 a 30 de abril através de um questionário online enviado para todas as províncias do país concluiu que 23,1 por cento dos estudantes não tiveram acesso às teleaulas. Isso se deve a três razões. Primeiro, desatenção dos pais e falta de acompanhamento deles com as crianças no auxílio das tarefas. Segundo, cortes de energia elétrica mesmo nas zonas urbanas. E por último, a falta de acesso a um aparelho de rádio ou televisão.

Brás enfatizou a importância da responsabilidade dos pais.

"É importante que os pais em tempo de crise assumam o papel real de educador".

Ele também mencionou a importância de melhorar a situação da distribuição da energia, assim como empoderar as famílias para que possam ter acesso a esses bens.