O Governo do Ruanda tem estado a reforçar a sua presença em Moçambique, sobretudo em termos militares, o que, na opinião dos analstas políticos ouvidos pela Voz da América, resulta das fragilidades do Estado e da incapacidade do Executivo de Maputo de prover segurança no norte do país, para que grandes projetos como o da TotalEnergie, em Cabo Delgado, se possam implementar de forma segura.
A recente contratação de uma empresa próxima do partido do Presidente ruandês, Paul Kagame, para garantir a segurança dos investimentos da multinacional francesa em solo moçambicano leva os observadores a alertar que a forte dependência de Maputo relativamente a Kigali, capital do Ruanda, pode ter consequências bastante negativas para os moçambicanos.
O analista político João Feijó diz que a falta de segurança obrigou à contratação de um exército estrangeiro, que substuiu o Estado moçambicano, e que juntamente com a TotalEnergies, definiram o melhor plano contra a insurgência, num raio de 50 quilómetros de Afungi até Mocimboa da Praia, onde as populações já se movimentam e desenvolvem livremente as suas atividades.
Veja Também Companhia ruandesa fornece segurança ao projeto Total em Moçambique, diz jornal britânicoFeijó refere que ‘’isto levanta uma questão de soberania, no sentido de que o Estado não consegue assegurar os alvos económicos e coloca desafios para o reforço das Forças de Defesa e Segurança, por um lado, e, por outro lado, levanta questões sobre os custos destas operações, que não são transparentes, não se sabe quem paga e nem se conhecem quais são as contrapartidas’’.
"A verdade é que o Governo ruandês aproveita a presença das suas forças armadas em Moçambique para depois expandir os seus interesses económicos, o seu capital e as suas empresas muito próximas dos partidos no poder’’, destaca o investigador.
Veja Também Terrorismo em Cabo Delgado: Envio de militares do Ruanda adia a resolução do problemaFeijó avançou que isto frustra as expetativas de algum empresariado moçambicano de participar nos negócios ligados ao petróleo e gás, porque “há muitos antigos combatentes que têm interesses nas empresas de segurança que gostariam de estar a garantir a segurança à volta d Afungi, e, aparentemente, quem conseguiu este grande negócio é uma empresa ruandesa’’.
O também analista político, Rui Mate, considera, por sua vez, que Moçambique está a abrir-se em demasia ao Ruanda e realça que a primeira vez que se ouviu falar de relações entre os dois países foi quando Paul Kagame enviou tropas para combater o terrorismo em Cabo Delgado, ‘’e depois o Ruanda começou a entrar em outras áreas como construção e segurança, todas elas ligadas aos grandes projetos’’.
Veja Também Renamo continua inconformado e promete ir até às últimas consequências jurídicas para ver a lei revogadaMate anota que ‘’o Ruanda está a preencher lugares estratégicos que poderiam ser ocupados por empresas moçambicanas, e isso acontece, porque há fragilidades em Moçambique, e os ruandeses estão a saber muito bem aproveitar a abertura que lhes está a ser dada’’.
‘’Não é uma situação normal ter-se homens estrangeiros, ligados a um Presidente e a um partido político, a combaterem massivamente num outro país, isto dá uma imagem bastante negativa para Moçambique’’, destaca o analista político Moises Mabunda, avançando que o normal ‘’era termos os nossos homens a defender a nossa soberania e termos uma ajuda, mas não nos quantitativos a que estamos hoje, sobretudo porque não é fácil controlar os militares que estão nas matas’’.
Veja Também HRW acusa Ruanda de ameaçar e matar críticos no exteriorMabunda estranha o facto de a União Europeia e a TotalEnergies financiarem o contingente ruandês em Cabo Delgado, considerando isso um mau precedente, porque os outros investidores também poderão exigir que os seus projetos tenham igualmente uma proteção privilegiada.
Para o porta-voz da Renamo, José Manteigas, a forte presença ruandesa em Moçambique emite sinais bastante perigosos, no sentido de que podem representar perda de soberania.
Manteigas considera que "isso é muito preocupante porque quando dentro de um Estado democrático como o nosso, onde há instituições que funcionam e existe um Governo que faz a gestão do Estado, assistimos forças militares estrangeiras a construírem e inaugurarem infraestruturas, com a tendência de criarem uma região autônoma, visto que se está a fazer um esforço para persuadir as populações no sentido de as ter sob os seus pés’’.
Entretanto, o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi diz-se preocupado com o facto de os críticos à presença ruandesa em Cabo Delgado serem maioritariamente moçambicanos e realça que, com o apoio fundamental do Ruanda, os insurgentes foram expulsos de todas as sedes distritais.