Analistas políticos aprovam orçamento especial para Cabo Delgado mas alertam para gestão danosa

Deslocados devido à insurgência em Ancuabe, Cabo Delgado, Moçambique

A medida vai ser analisada pelo Parlamento moçambicano, com muitas dúvidas quanto à sua eficácia.

Analistas políticos moçambicanos consideram crucial a criação de um orçamento especial para Cabo Delgado, em resposta à catástrofe social provocada pelo terrorismo, mas alertam que uma gestão danosa pode agravar o conflito e o drama humanitário que a província do norte de moçambique enfrenta há seis anos.

A primeira comissão do Parlamento, segundo o seu presidente António Nequice, pondera iniciar um debate sobre um orçamento especial para Cabo Delgado face aos desafios de segurança na província, na medida em que há mais população a regressar às aldeias de origem.

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Analistas políticos aprovam orçamento especial para Cabo Delgado mas alertam para gestão danosa

“Acho que haverá um suplemento que represente a dimensão destes desafios para que se garanta o restabelecimento total da segurança e, de forma incondicional, as populações possam se locomover e desenvolver as suas atividades (...) a vida tem de voltar à normalidade”, declarou António Niquice, citado como se tivesse falado no fim de uma reunião entre os deputados e os órgãos do governo local.

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Entretanto, analistas polítcos moçambicanos admitem que a criação de um orçamento especial para Cabo Delgado é fundamental para uma província mergulhada num drama humanitário e com uma situação desafiante de segurança.

Para o analista político Samuel Simango, a grave situação humanitária e securitária de Cabo Delgado exige do Governo medidas apropriadas porque o conflito naquela província tende a definir o futuro de Moçambique.

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“O assunto de Cabo Delgado afigura-se muito importante para o futuro de Moçambique, neste momento a situação humanitária é muito grave, que requer medidas do governo (...) quero acreditar que é nesta procura de medidas que a primeira comissão propõe um orçamento especial para Cabo Delgado”, vinca Samuel Simango.

Aquele docente universitário de Ciências Políticas acrescenta que "temos de reconhecer que o problema não se coloca num orçamento especial, mas na seriedade com que o Governo vai aplicar este orçamento”, em referência à falhada implementação da Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN).

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Com as vilas devastadas pela guerra, a população tom o tecido social rasgado e com a economia parada, prosseguiu Samuel Simango, insistindo ser igualmente importante criar competência nos governos locais e que “a corrupção seja afastada deste orçamento”.

Para o sociólogo João Feijó, o orçamento especial corrigiria as assimetrias que fizeram eclodir a guerra em Cabo Delgado e peca por tardia numa província largamente “afetada pela guerra” e com apoio internacional paliativo.

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Contudo, mostra-se reticente quanto à eficácia da ferramenta económica que vai a debate.

“Estamos nas vésperas das eleições, até que ponto isso se traduz numa preocupação genuína de forma e de descentralização ou até que ponto isso é apenas uma propaganda politica?”, questiona Feijó.

Aquele investigador do Observatório do Meio Rural lembra que o orçamento especial vai a debate “quando um orçamento escasso do Fundo Monetário Internacional, em que há cortes nos gastos públicos, e por isso leva-nos a ter algumas dúvidas sobre a eficácia deste orçamento”.

Já o analista político Tobias Zacarias, que estuda o conflito em Cabo Delgado, destaca que o mesmo tem motivações sociais e a busca de soluções para estes problemas, como o da segurança, para o regresso estável da população, são o caminho para a normalização da vida naquela província.

“Eu sempre disse que o problema de Cabo Delgado não é religioso e nem político, mas sim um problema social, de exclusão social”, aclara Tobias Zacarias, realçando que medidas para corrigir a exclusão social, sobretudo dos jovens, são adequadas para corrigir o conflito.

Os terroristas que atuam em Cabo Delgado têm ligações com o Estado Islâmico.

Desde 2017 provocaram a morte de cerca de quatro mil pessoas e a fuga de mais de um milhão de pessoas, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que, no entanto, assegura o regresso de mais da metade dos deslocados.