A 20 de Janeiro de 1973 foi assassinado em Conacri Amílcar Cabral, líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que na altura travava uma luta armada contra o exército português.
Quarenta e seis anos depois, o dia, chamado de Heróis Nacionais, foi assinalado na Guiné-Bissau e em Cabo Verde, com cerimónias, conferências e marchas.
No município cabo-verdiano onde viveu, a Câmara Municipal de Santa Catarina anunciou neste domingo, 20, a construção de um Museu da Resistência.
Na Guiné-Bissau, onde Cabral nasceu a 12 de Setembro de 1924, o Presidente da República, José Mário Vaz, depositou uma coroa de flores no Mausoléu Amílcar Cabral e afirmou que “os pais fundadores fizeram o que tinham de fazer (e) também nós estamos a dar continuidade a este trabalho”.
Em Cabo Verde, onde Cabral, viveu desde os 12 anos de idade, o Chefe de Estado, Jorge Carlos Fonseca, deslocou-se ao Mausoléu Amílcar Cabral, na cidade da Praia, para colocar flores e defendeu a necessidade desta data ser renovada com novas ideias adequadas aos momentos históricos.
"Naturalmente que, com o tempo, é necessário sempre encontrar formas renováveis mais apropriadas e adequadas de assinalar os grandes momentos da história do país que, para além dos rituais e dos atos simbólicos que existem em todo o lado, possam fazer coisas diferentes", defendeu Fonseca.
Antigo companheiro de luta de Amílcar Cabral, o antigo número dois do PAIGC, antigo primeiro-ministro e ex-Presidente de Cabo Verde, Pedro Pires, lembrou que a “independência trouxe solução ou parte da solução para esses tempos fatídicos”, mas não para todos.
Pires acrescentou que “certamente não conseguimos resolver tudo e temos ainda por fazer, sobretudo eliminar as bolsas de pobreza que há no país”.
Para aquele antigo combatente, a grande lição de Cabral é que “não nos afirmámos imitando os outros, nós somos o que somos”. Aí a grande lição de Amílcar Cabral, (…) um homem extraordinário".
No município onde Amílcar Cabral viveu desde os 12 anos de idade, Santa Catarina, o presidente em exercício da Câmara Municipal, Jacinto Landim Horta, anunciou a construção de um Museu de Resistência, que valorize a história de Cabo Verde.
O homem e a história
Amílcar Lopes Cabral era filho de Juvenal Lopes Cabral e de Iva Pinhel Évora, ambos naturais de Cabo Verde.
Aos 12 anos de idade, deixa a então Guiné Portuguesa e junta-se ao pai que, nessa altura já havia regressado a Cabo Verde, e efectua os seus estudos primários na Rua Serpa Pinto, na Praia.
Radicado em Achada Falcão, em Santa Catarina, no interior da ilha de Santiago, segue mais tarde para a ilha de São Vicente, onde termina os estudos liceais em 1944, tendo sido classificado como o melhor aluno.
Ainda na sua juventude, Cabral evidenciava já uma especial avidez pela percepção do mundo que o rodeava, facto que se espelhava nos seus dotes de poeta e de escritor.
Os seus sentimentos nacionalistas eram vistos com reprovação pelas autoridades coloniais.
Em 1945, Cabral foi um dos primeiros jovens das então colónias portuguesas a serem contemplados com uma bolsa de estudos para Portugal e matricula-se no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa.
Primeiros passos
A vida de estudante constituiu uma oportunidade para aprofundar o seu sentimento progressista anti-colonial, participando activamente nas actividades estudantis clandestinas que se desenvolviam à volta da Casa dos Estudantes do Império e da Casa de África.
Foi então que conheceu vários nacionalistas africanos como Marcelino dos Santos, Vasco Cabral, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane e outros estudantes que viriam a ser futuros líderes dos movimentos de libertação.
Depois de concluir o curso, em 1952, Cabral casou-se com a portuguesa Maria Helena Atalaide Vilhena Rodrigues.
Teve duas filhas, Iva e Irina, e, mais tarde, separou-se de Maria Helena, tendo se casado depois com Ana Maria Cabral, natural da Guiné-Bissau.
No ano seguinte, é colocado como engenheiro agrónomo na Guiné-Bissau, para trabalhar na estação agrária experimental de Pessubé, e aproveita-se da sua actividade profissional para percorrer o país e conhecer o terreno bem como da constituição social das suas populações.
Em 1956, depois de ter militado durante cerca de um ano no MING (Movimento de Libertação Nacional da Guiné), Amílcar Cabral funda o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), a 19 de Setembro, juntamente com Aristides Pereira e outros nacionalistas cabo-verdianos e guineenses.
Em 1960, Cabral decide fugir com os seus companheiros para a Guiné-Conakri onde ficaria instalada a sede do PAIGC e começa a trabalhar activamente nos preparativos para o reforço do PAIGC e o arranque da luta armada de libertação nacional.
A 23 de Janeiro de 1963 inicia-se a luta armada na Guiné-Bissau.
De forma genial ele conseguiu conjugar os sucessos que se iam alcançando no terreno da luta militar na Guiné-Bissau e no da luta política clandestina em Cabo Verde, com o desenvolvimento de uma acção diplomática que ele pessoalmente conduziu da forma mais eficaz.
Cabral desempenhou uma intensa actividade diplomática junto das Nações Unidas e de vários países, nomeadamente, ocidentais.
No momento em que era notória a vitória no terreno sobre as forças portuguesas e no campo diplomático, ele foi assassinado a 20 de Janeiro de 1973 por guerrilheiros do próprio PAIGC, o que foi considerado de traição.
Além da política, Amílcar Cabral destacou-se como poeta e profundo pensador do seu tempo e é considerado um dos principais nacionalistas africanos.
Entretanto, apesar de ser muito estudante em universidades em várias partes do mundo, o seu pensamento continua a ser pouco conhecido na Guiné-Bissau e em Cabo Verde.
A VOA recupera aqui uma conversa mantida em 2015 com a filha maior de Amílcar Cabral, Iva Cabral, sobre o pai.
Além da figura paterna, a também historiadora analisa o pensador e o político.
E diz que "pensar pelas nossas cabeças é um dos grandes legados de Amílcar Cabral".
Ouça a entrevista:
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