Dezenas de milhares de pequenos criadores de gado que foram afastados das suas terras para dar lugar a explorações pecuárias comerciais estão a ser expostos a um risco ainda maior de fome e inanição devido à seca que aflige o sul de Angola.
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A denúncia é da Amnistia Internacional (AI) e foi divulgada nesta terça-feira, 15, num longo relatório intitulado “O fim do paraíso do gado: Como os desvios de terras para explorações pecuárias minaram a segurança alimentar nos Gambos, Angola”, acompanhado de fotografias e um vídeo.
A situação é de miséria, fome e abandono por parte do Governo que retirou terras aos seus donos, sem indemnizaçáo e as entregou a empresários.
A organização de defesa dos direitos humanos apela ao Executivo que tome medidas urgentes e avance com “assistência alimentar de emergência às comunidades afectadas pela fome”.
Estômago vazio e doenças
“A actual seca em Angola expôs o impacto devastador da pecuária comercial sobre as comunidades dos Gambos. Os criadores de gado tradicionais perderam as suas melhores pastagens e veem agora desesperados os seus filhos e famílias irem para a cama de estômago vazio,” denunciou Deprose Muchena, director regional para a África Austral da AI.
Veja Também Seca no Cunene leva ao encerramento de empresasNo documento, a AI apela ao Governo a que “proporcione de imediato assistência alimentar de emergência às comunidades afectadas pela fome, declare uma moratória às concessões de terras e nomeie uma comissão de inquérito para investigar como 46 explorações pecuárias comerciais acabaram por ocupar dois terços das melhores pastagens na Tunda dos Gambos e no Vale de Chimbolela desde o fim da guerra civil, em 2002”.
A organização é peremptório em dizer que “o Governo não tem protegido os direitos destas comunidades, em particular, o seu direito à alimentação”.
Abandono do Governo e expropriação de terras férteis
No sul de Angola, “estas pessoas foram abandonadas a tentar sobreviver em terras inférteis e improdutivas” e, agora que a seca aperta ainda mais, ficaram simplesmente sem nada para comer.
”O relatório mostra que a fome e inanição grassam entre as comunidades dos vanyanekes e ovahereros que vivem nos Gambos”, onde a situação é dramática.
A Amnistia Internacional revela que, embora a região semiárida dos Gambos seja propensa a secas cíclicas, as pastagens comunitárias atenuavam os impactos da seca, mas foram atribuídas pelo Governo a criadores de gado comerciais, deixando os criadores de gado tradicionais e as suas famílias a lutar para produzir os seus alimentos.
Em consequência, diz a AI, “as famílias pastoris ficaram com terras insuficientes e improdutivas para as suas colheitas e para apascentar o gado”.
As famílias contaram aos investigadores da AI que a situação é terrível.
“Muitas pessoas contaram que sofrem de vómitos e diarreia e contraíram também doenças de pele, tais como a sarna, devido à escassez de água e às más condições de higiene”, revela a AI.
“Estamos magros e fracos”, disse um morador, enquanto “outro deles relatou que (…) muitas pessoas ficam bastante doentes devido à fome”.
A AI afirmou que as terras, usadas durante séculos como pastagens comunitárias pelas famílias pastoris das províncias do Cunene, da Huíla e do Namibe, no sul de Angola, foram-lhes retiradas sem o devido processo legal.
Apesar disto, o “Governo autorizou os criadores de gado comerciais a ocupar a Tunda dos Gambos e o Vale de Chimbolela, sem oferecer qualquer tipo de indemnização às comunidades locais, violando assim claramente a legislação do país”, escreve o director regional da AI para a África Austral.
Ele lembra que Angola ratificou legislação regional e internacional que garante e protege o direito à alimentação para todos os seus cidadãos e “comprometeu-se a assegurar a oferta de “alimentação e água potável adequadas”.
O relatório documenta o desvio de terras em grande escala para criadores de gado comerciais no município dos Gambos e o seu impacto sobre o direito à alimentação da comunidade pastoril.
A AI efectuou duas missões de pesquisa aos Gambos, em Fevereiro de 2018 e Março de 2019, e, além de usar imagens de satélite, entrevistou dezenas de homens e mulheres directamente afectados pelo desvio de terras para a exploração pecuária commercial, bem como grupos da sociedade civil locais.