O Governo da Venezuela diz estranhar a posição das autoridades de Cabo Verde que admitem não cumprir a decisão do Tribunal da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) que determinou a colocação em prisão domicilária do empresário colombiano e enviado especial de Caracas, Alex Saab, detido no arquipélago a 12 de junho enquanto espera uma decisão da justiça sobre a sua extradição ou não para os Estados Unidos, onde é acusado de lavagem de capitais.
Num comunicado divulgado nesta sexta-feira, 11, Caracas evoca o facto de Cabo Verde pertencer ao tratado do tribunal da CEDEAO e de agora não acatar a setença que, segundo Venezuela, reveste-se de um desrespeito aos direitos humanos.
“O Governo da República Bolivariana da Venezuela assume que Cabo Verde respeita os seus compromissos internacionais e que é um bastião da democracia na África Ocidental”, diz o comunicado que lembra que “a 11 de dezembro de 2018, ante o Tribunal Penal Internacional de Haia, o Presidente de Cabo Verde, S.E. Jorge Carlos Fonseca, declarou publicamente que `Cabo Verde é uma democracia e um Estado baseado no Estado de Direito… sempre com justiça, respeita… o direito internacional e…portanto apoiamos os tribunais”.
Por isso, continua a nota, “resulta estranha a atitude de Cabo Verde ante a decisão da CEDEAO, que entendemos constitui para Cabo Verde um compromisso político do direito internacional”.
O Executivo de Nicolás Maduro ainda lembra os acordos de Cabo Verde com a CEDEAO e aponta a presença da juiza cabo-verdiana Januária da Costa no júri “que deu a sentença unânime do dia 2 de dezembro”.
Depois de lembrar o “espirito das relações cordiais” entre os dois países, a Venezuela diz esperar que “Cabo Verde dê cumprimento à decisão da CEDEAO”, mantendo-se assim “na vanguarda da protecção dos direitos humanos na região”, onde é “um farol de liderança e progresso”.
Autoridades cabo-verdianos com outro entendimento
Este posicionamento surge depois do primeiro-ministro e do procurador-geral da República (PGR) de Cabo Verde darem a entender que o entendimento das autoridades do arquipélago pode ser outro.
Nesta semana, instado sobre o assunto, o primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva destacou que “o país tem soberania judicial” sobre o caso que ainda transita nos tribunais.
“Temos um processo judicial em curso e vamos esperar que o Supremo Tribunal de Justiça tome a melhor decisão relativamente ao julgamento deste caso”, afirmou Correia e Silva, reiterando que “o Governo não se interfere nas decisões de âmbito judicial e Cabo Verde tem a sua soberania quanto às questões relativas ao funcionamento da justiça, independentemente da adesão à CEDEAO”.
Por seu lado, o PGR José Landim, questionou a obrigatoriedade de a justiça cabo-verdiana executar a sentença do tribunal da CEDEAO que mandou colocar Alex Saab em prisão domiciliar, enquanto aguarda a decisão final do caso.
Em declarações à Rádio de Cabo Verde, Landim afirmou que a entidade demandada é o Governo de Cabo Verde e não o poder judicial, ao contrário do que deu a entender o primeiro-ministro.
Para o PGR, por outro lado, “existirem sérias dúvidas se Cabo Verde esteja sob a jurisdição da CEDEAO”, porqure, lembra Landim, o primeiro protocolo de adesão ao Tribunal, de 1991, “não foi ratificado e nem publicado”, enquanto o segundo, de 2005, “não foi assinado”.
O PGR ainda acrescenta haver factos dados como provados pelo Tribunal da CEDEAO que não o foram nos tribunais cabo-verdianos, como o de Saab estar na posse de passaporte diplomático, o que não é verdade, de acordo com José Landim, e de que ele não recebeu assistência médica.
A 30 de novembro, um acórdão do Tribunal da CEDEAO determinou ao Estado de Cabo Verde que coloque em prisão domiciliária o empresário colombiano e enviado especial da Venezuela, Alex Saab, que se encontra detido desde 12 de junho, pode não ser executado.
Em declarações à VOA na altura, o membro da equipa de defesa em Cabo Verde João do Rosário disse esperar “o cumprimento imediato da decisão”, para que Saab possa “em melhores condições, aguardar serenamente pelo desfecho do processo” que voltará a ser analisado no Tribunal da Comarca de Barlavento conforme instruções do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
“Pensamos que não haverá outra saída se não o cumprimento da decisão agora tomada", sublinha Rosário, lembrando que Cabo Verde é subscritor daquela instância judicial sub-regional.
O caso
Detido a 12 de junho no Aeroporto Internacional Amílcar Cabral, na ilha do Sal, num voo privado a caminho do Irão, Saab viu o Tribunal da Comarca de Barlavento autorizar a sua extradição para os Estados Unidos a 31 de julho.
A justiça americana, que pediu a sua detenção e extradição, diz que Saab é um testa-de-ferro do Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o acusa de lavagem de capitais no montante de 350 milhões de dólares através do sistema financeiro dos Estados Unidos.
O Governo da Venezuela afirma que ele tem imunidade diplomática e que estava a serviço do país, enquanto a defesa também já recorreu à Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas e ao Tribunal da Cedeao.
O STJ de Cabo Verde negou três habeas corpus.