A África Sudânica manteve desde sempre pontos vitais de contactos com o mundo mediterrâneo, ao norte, sem que nesse mesmo processo, se tornasse numa civilização mediterrânea ou islâmica.
O Grande Deserto Saariano tem sido, e continua a ser, uma ponte de ligação, criadora de culturas da Bacia Sudânica, dos Oásis ao sul, para o norte, e do Atlântico para o Mar Vermelho, no compasso este-oeste.
A África Sudânica, neste seu perfil geográfico, teve o seu período de esplendor nos séculos dos maiores contactos através deste mesmo Grande Deserto Saariano, em trocas comerciais – sal, escravos e ouro, sobretudo - com o Mundo Mediterrâneo.
Esta descrição constitui no fundo uma definição implícita da história dos reinos do Ghana, Mali, Songhai e Kanem-Bornu, que floresceram nesta zona do Continente no passado fixando-lhe para sempre o seu cunho cultural.
Até ao século dezanove, porém - vésperas da ocupação colonial - toda esta civilização vinha caindo aos bocados aos pés dos seus criadores em resultado de revoltas internas e outras.
Apesar da circunstância de ser a civilização sudânica caracteristicamente uma civilização da fronteira, fronteira islâmica seja dito de raízes além-mar, profundas na própria Arábia Saudita (em primeiro lugar) todavia um estudo ligeiro do Kanem-Bornu, para citar um exemplo, revela que a civilização sudânica tinha sido produto também do génio dos seus criadores africanos.
O enfraquecimento progressivo não apenas do Kanem-Bornu mas ainda doutras monarquias da área deveu-se, nesta mesma lógica, a duas correntes de forças - internas e externas - ao enfraquecimento das instituições locais, e a redução progressiva, em qualidade e quantidade, dos contactos com o mundo exterior até ao advento da Europa mercantilista, primeiro, imperialista depois, que veio colher não apenas esta região mas na realidade o Continente Africano todo inteiro, surpreendido na rotina das suas próprias limitações - Islão ou sem Islão, Imperialismo ou sem Imperialismo.
Os esforços de recuperação histórica consubstanciaram-se nesta região numa série de famosas guerras santas (jihads) que se diziam desde o século dezassete ao dezanove sem que ao fim e ao cabo pudessem estas mesmas guerras impedir os avanços da conquista europeia.
A história da região sudânica tornara-se então totalmente interessante (sem ser uma ironia) quando falharam nestes abalos, quase todos os propósitos de redenção cultural do sub-continente subsaariano. Secularmente esta terra africana abrira artérias de contactos com o mundo mediterrâneo, através dos Oásis do Grande Deserto para os empórios de Marrocos, Argélia, Tunísia, Tripolitanea até ao Egipto.
O ouro do sul e o sal do deserto, as armas do norte e os escravos do sul alimentaram estas comunicações. No caso ainda do Kanem-Bornu - do nosso exemplo - este reino sobreviveu estas vicissitudes e outras por mais de mil anos da sua história mais do que o fizeram os seus vizinhos e predecessores o Ghana, o Songhai e o Mali como monarquias organizadas.
O Kanem-Bornu conheceu o seu primeiro apogeu durante o reinado de Dunama Dubalemi - o Magno chamá-lo-íamos com razão - conquistador islâmico de piedade iconoclasta nos meados do século treze, quando abraçou o Islão e tentou impô-lo aos pagãos do reino. Kanem-Bornu tornara-se num reino multi-secular que oferece aos estudiosos da sua história vários temas, tais como as suas guerras com os pagãos bulalas do sul, mais tarde fonte segura da sua economia, alimentada pela trata esclavagista destas mesmas populações sulistas para o abastecimento dos mercados do norte.
Os monarcas do Kanem-Bornu abandonaram mais tarde a antiga capital Ndjimi, a leste do Chade para uma nova Ngazargamo, a oeste, onde prosperava anteriormente outra civilização não islâmica, a dos pagãos. São inimigos confessados do reino kanembu tema ainda dos seus famosos monarcas, um tal Idrissa Alowoma, no apogeu do século dezasseis antes do declínio paulatino e irreversível, acabando por desintegrar-se a monarquia kanembu nos séculos seguintes, ainda na rotina do ser africano.