ASEAN: Uma Ponte Entre a Birmânia e o Ocidente

Duas semanas se passaram desde que o ciclone Nargis atingiu a Birmânia e devastou boa parte do Delta do Irrawaddy. Duas semanas foi o tempo que a Associação de Nações do Sudeste Asiático, a chamada ASEAN, levou para persuadir o governo local a reunir-se e discutir a ajuda às vítimas.

Até esse momento, o isolado executivo birmanês tinha autorizado apenas a ajuda, a conta-gotas, de países vizinhos, como: Tailândia, Singapura, China e Índia. A entrada de trabalhadores de agências humanitárias das Nações Unidas e de países ocidentais, por seu turno, era terminantemente proibida.

Mely Caballero-Anthony, professor da Escola de Estudos Internacionais de Rajaratnam, em Singapura, comenta a intervenção da ASEAN: «Já era de se esperar essa demora na abertura do país e o tempo que a Junta levou para reunir-se com o grupo todo. A verdade é que a Birmânia não segue as regras do jogo no contexto da ASEAN. Por causa disso, a ASEAN demorou até conseguir persuadi-la a abrir as portas à comunidade internacional de modo a receber ajuda humanitária».

O ciclone Nargis provocou a morte ou o desaparecimento de mais de cem mil pessoas. As Nações Unidas admitem que muitas mais poderão morrer de fome ou vítimas de doença se não for permitida a ajuda humanitária em grande escala. No passado dia 19, durante uma reunião no âmbito da ASEAN, a Birmânia concordou em deixar a organização coordenar os esforços internacionais de ajuda às vítimas.

Esse encontro acabou por levar a uma conferência de doadores realizada este domingo, em Rangoon. Cem milhões de dólares foram disponibilizados para a ajuda de emergência e para acções posteriores de restabelecimento do país.

O secretário-geral da ONU, que na semana passada se reuniu com membros da Junta Militar, declarou-se confiante na abertura do regime à ajuda internacional.

Há quem critique a lenta resposta da Associação de Nações do Sudeste Asiático. Analistas regionais, no entanto, lembram que a ASEAN, enquanto grupo, não tem capacidade para responder a desastres desta magnitude da mesma forma que tem a ONU. Sua finalidade é, prioritariamente, a cooperação económica. Só em 2005, depois do Tsunami que atingiu vários países nas costas do oceano Índico, é que a Associação estabeleceu um acordo onde obrigava seus membros a ajudarem-se uns aos outros em caso de calamidade.

O que a ASEAN parece ter, que o ocidente e as Nações Unidas não têm, é uma maior facilidade para chegar ao ouvido dos governantes da Birmânia. Mesmo que eles relutem em ouvi-la. «Talvez seja mais fácil a Birmânia aceitar a opinião ou ser persuadido pelos seus vizinhos do que pela comunidade internacional», afirma Caballero-Anthony.

Apesar das duras sanções económicas, a Birmânia tem ignorado a pressão do ocidente para que promova reformas políticas e liberte o líder da oposição, Aung San Suu Kyi. A Junta Militar reafirma a necessidade de manter um controle rígido dos vários segmentos sociais, única forma, segundo ela, de evitar que o país se desmembre em função das diferenças étnicas.

Segundo especialistas, o governo teme que os estrangeiros, que entrarão no país para prestar ajuda às vítimas, possam minar esse poder absoluto que exerce sobre a população.

Rodolfo Severino, ex-secretário-geral da ASEAN, considera que o grupo tem desempenhado um papel importante na aproximação da Birmânia em relação aos países ocidentais. «O principal resultado do encontro de Singapura foi a criação de um ambiente de maior confiança mútua entre o governo da Birmânia e os países que têm capacidade de oferecer assistência em larga escala», explicou. Severino considera que a partir de agora, deve focar-se na ajuda a quem precisa.

«Eu acho que o facto da ASEAN e da ONU terem assumido conjuntamente a liderança deste esforço poderá desencadear uma troca de conteúdos políticos entre os governantes da Birmânia e dos principais doadores, por mais indirecta que seja essa troca», finalizou.

Vários analistas consideram, no entanto, que persuadir a Birmânia no que se refere ao assunto ajuda humanitária não significa que a resposta será a mesma em matéria de reforma política. Os mesmos especialistas lembram que a ASEAN não tem feito progressos quando o assunto é a democratização.

Dias depois do país ser devastado pelo ciclone, o governo birmanês mantinha o referendo para aprovação da nova constituição - nova constituição, que mantém o controlo militar. «Isso é consequência do engajamento não efectivo e não construtivo da ASEAN. É por isso que o governo da Birmânia está a jogar com eles. E se estamos à espera de mudanças políticas estimuladas pelas ASEAN, acho que podemos esquecer», diz William Case, Director do Centro de Pesquisa do Sudeste Asiático, em Hong Kong.

A Birmânia é membro da Associação de Nações do Sudeste Asiático desde 1997 – um passo que a Ásia acreditou poder levar à abertura do país. Desde essa altura, no entanto, os militares pouco fizeram por essa abertura. Pelo contrário, continuam a prender centenas de dissidentes e membros da oposição. Em setembro do ano passado, reprimiram um protesto maciço contra o aumento dos preços do combustível. Outras centenas de pessoas foram parar à prisão.