Joaquim Pinto de Andrade, e o MPLA que o elegeu presidente de honra na conferência de quadros de 1962 em Brazzaville, nunca se reconciliaram como certamente gostariam. Ao longo da história não faltaram oportunidades, mas nenhuma delas, seja o congresso de Agosto de 1974 em Lusaka, ou a reunião de três de Setembro do mesmo ano em Brazzaville, resultou num entendimento que procuravam.
Porém em uma ocasião pelo menos, em 1976, estiveram perto de o fazer, até porque Joaquim Pinto de Andrade mantinha contactos estreitos com o presidente Agostinho Neto.
Num depoimento que fez à Voz da América, Vicente Pinto de Andrade, primo e companheiro de luta de Joaquim Pinto de Andrade, diz que este há algum tempo que mantinha consultas com Agostinho Neto, no sentido de se resolver a questão "dos camaradas da Revolta Activa".
“Nas vésperas da minha detenção a 13 de Abril de 1977, o Dr. Joaquim Pinto de Andrade disse que estava em contacto com o Doutor Agostinho Neto no sentido de se proceder a reconciliação no seio do MPLA. Foi elaborado um documento que depois foi levado ao Bureau Político, mas a verdade é que depois disso, isto é, depois desta reunião, eu, os meus irmãos, Merceano, Justino, bem como Gentil Viana, e mais outros companheiros fomos presos. Uns de manhã, outros à noite. Éramos aquilo que se chamava de Revolta Activa.
Segundo Vicente P. Andrade, Agostinho Neto teria dito a Joaquim Pinto de Andrade que tinham sido feitas acusações muito graves contra eles.
“Este foi o único encontro entre o Dr. Joaquim Pinto de Andrade e o presidente Agostinho Neto no sentido de se chegar definitivamente a um entendimento entre os que eram designados como Revolta Activa, e a direcção do MPLA”.
Joaquim Pinto de Andrade viria a distanciar-se do MPLA em 1992, quando aceitou vincular o seu nome ao projecto do PRD, partido fundado por personalidades ligadas ao chamado movimento fraccionista de 1977. A relação dele com o PRD viria a durar muito pouco, tendo depois disso deixado a política partidária. Passou a ocupar-se a partir daí, da ACA, Associação Cívica Angolana.
Ainda assim o MPLA, e cuja direcção se recusou a falar especificamente para este trabalho, teria segundo consta colocado o nome de Joaquim Pinto de Andrade entre os que deveriam receber uma medalha por ocasião dos seus 50 anos, celebrados a 10 de Dezembro de 2006. A condecoração esteve para acontecer primeiro em Dezembro, depois a quatro de Fevereiro, acabando por nunca ter lugar.
De acordo com Vicente Pinto de Andrade, que cita fontes do MPLA houve uma intenção que nunca passou disso. “O problema também não era receber medalhas. Era haver por parte da direcção do MPLA, e por parte dos que foram da Revolta Activa uma conversa no sentido de no fundo, se lavar a honra dos camaradas. As acusações que foram feitas durante muitos anos contra nós, eram de que éramos agentes do imperialismo”.
O ambiente ficou mais denso, diz VPA, após a intervenção que o presidente Agostinho Neto proferiu no dia 12 de Junho de 1977, ou seja, um dia após o enterro dos camaradas que morreram no 27 de Maio.
“Foi um discurso muito virulento que tentou passar uma imagem muito sombria sobre o que eram todas as dissidências que tinham surgido no MPLA. A Revolta Activa não foi poupada, quando ela era na verdade um grupo de militantes que criticava as posições políticas do Doutor Agostinho Neto. Não pegaram em armas, nem tentaram golpe nenhum. As críticas eram verbais, mas a linguagem usada aí contra nós, nunca foi retirada”.
Apesar disso Vicente Pinto de Andrade encontra alguma substância no comunicado que o Bureau Político do MPLA publicou após a morte de Joaquim Pinto de Andrade, e de Gentil Viana.
“Em primeiro lugar eu penso que o presidente José Eduardo dos Santos está neste momento muito inclinado em encerrar aquilo que foram as makas no seio do MPLA. Ele não esteve directamente envolvido nos grandes conflitos internos no seio do MPLA antes da independência. Mesmo depois da independência ele não foi um actor relevante no que toca aos discursos que se faziam relativamente aos outros camaradas que pensavam diferente do presidente Agostinho Neto. Por conseguinte ele está em condições, creio eu, de encerrar este ciclo, juntamente com todos aqueles cujas imagens foram denegridas”.
Militante do MPLA que espera concorrer às eleições presidenciais como independente, Vicente Pinto de Andrade releva o facto do comunicado do BP do MPLA realçar os aspectos patrióticos de Gentil Viana e de JPA, e as contribuições de ambos à luta pela independência.
“O próprio presidente da república referiu no livro de condolências o contributo de Gentil Viana para o pluralismo no país e no MPLA, o que quer dizer que afinal não éramos lacaios do imperialismo. O que reclamávamos, isto é a democratização interna do MPLA, e a criação de uma democracia liberal em Angola, é o que se está a agora procurar realizar. Como disse recentemente um historiador, nós tivemos razão antes do tempo”.
Apesar do que foi a posição do MPLA após a morte tanto de Gentil Viana quanto de JPA, e do que José Eduardo dos Santos escreveu nos livros de condolências, Vicente Pinto de Andrade entende que se o partido no poder estiver interessado em terminar com o ciclo de contradições que vêem desde a luta de libertação, devia fazer uma avaliação sem tem que estar a acusar a ou b.
“Assim o MPLA passará a ter uma vida normal, e nós os que ainda estamos vivos, teremos ter as nossas imagens respeitadas, e avaliadas nas dimensões que se impõem”.
Se o comunicado do BP não for seguido de outros actos, este economista sugere que a única coisa a concluir é que se tratou então de um mero exercício de relações públicas.
”Toda a gente se recorda que em 1992 o MPLA também procurou reforçar aquilo que chamava de grande família; agora também o faz. Não é errado que um partido procure resolver os seus problemas antes das eleições, mas acho que é de justiça que estas coisas sejam feitas com genuinidade. Creio que o facto de o elogio fúnebre de Gentil Viana lido pelo camarada Paulo Jorge não ter feito referência ao facto dele ter estado preso, não fica bem. Deve haver uma avaliação completa sobre o que aconteceu. As pessoas foram presas, eu próprio fui preso, o Gentil Viana ficou cego de uma vista na prisão devido às torturas que sofreu, enfim há conjunto de situações que não devem ser esquecidas”.
Vicente Pinto de Andrade admite mesmo que se o MPLA quiser, pode corrigir o tiro na sua próxima conferência nacional, previsto para Abril próximo. Tal gesto, segundo ele seria até do interesse daqueles que hoje dirigem o MPLA.
“A maior parte das pessoas que hoje dirige o MPLA não tem ligações com os problemas do passado, não ocupou o primeiro plano das contradições internas, mas precisa francamente de se explicar e de explicar aos militantes e ao povo angolano em geral, para que o ciclo seja realmente encerrado”.
Auto-afastado das instâncias do MPLA devido a sua condição de candidato independente, Vicente Pinto de Andrade foi quem comunicou ao porta-voz de JES, Aldomiro Vaz da Conceição a notícia de que Gentil Viana e Joaquim Pinto de Andrade tinham morrido. Disse ter sentido desde logo da parte de JES, a disposição de alguém que quis honrar aquelas duas personalidades.
“O facto de ele ter estado presente nos momentos mais significativos junto das famílias, dignifica-o, transmite a ideia de que ele está disposto a encerrar o que foi o passado. O que ele escreveu mostra isso. É evidente que poderão ser feitas leituras políticas, mas são leituras que se fazem sempre. Eu creio que ele estava movido de intenções genuínas quando tomou esta atitude”.