Cabo Verde figura na lista dos países, considerado, pela Comissão de Controle Internacional de Narcóticos como casos de sucesso no combate ao trafico internacional de estupefacientes.
Só no ano passado, a policia judiciaria caboverdiana esteve entre as instituições, no continente africano, aquela que mais apreensões de cocaína conseguiu, num total de 326 quilos, apreendidos sobretudo nos aeroportos nacionais.
Mas se a nível do combate do trafico internacional da droga que tem cruzado as aguas territoriais e os aeroportos daquele arquipélago, com destino a um mercado mais vasto na Europa, os esforços das instituições caboverdianas, são considerados de positivos, é no entanto a nível do consumo local que a situação começa a despertar uma atenção particular por parte das autoridades caboverdianas.
Tornou-se cada vez mais evidente a associação entre o trafico e consumo local de drogas, nomeadamente da canabis, da heroina e da cocaina, a alguns dos crimes registados no arquipélago.
Quem o confirma e o director da policia judiciaria de Cabo Verde, Virgílio Varela.
“O consumo da canabis terá começado nos anos 70 e o consumo da heroina e da cocaína nos finais dos anos 80,principio da década de 90. E evidente que há gente a consumir, temos toxico-dependentes, há gente a vender, por isso é que a Policia Judiciária para alem do combate ao grande tráfico, tem apostado também na repressão do trafico interno, desse pequeno tráfico que e também o principal responsável pelo aumento dos crimes contra a propriedade, nomeadamente furtos e roubos e acaba também por induzir a um aumento da situação de insegurança.”
Diga-se um consumo, que tem conseguido aderência sobretudo entre a juventude, devido em parte e de acordo com algumas vozes criticas, ao acentuado índice de desemprego entre aquele estrato da população caboverdiana.
Para já uma associação com a qual, a psicóloga Ana Cristina Andrade, da Comissão de Coordenação do Combate a Droga diz não concordar.
“O desemprego não leva automáticamente a toxico-dependencia. E claro que o desemprego é um factor de desestabilizacao emocional mas não deixa de ser ousadia a mais, quando se ouve as pessoas e as próprias instituições associarem o desemprego ao consumo da droga em Cabo Verde. Está provado que não existe uma relação directa. A toxico dependência resulta da interacção de vários factores.“
Mas, e entretanto ao nível de uma suposta discrepância entre o investimento feito pelas instituições caboverdianas no vector repressão em detrimento das demais componentes desse mesmo combate, nomeadamente a da prevenção, tratamento e da reintegração social, que a Comissão de Coordenação do Combate a Droga, entidade tutelada pelo Ministério da Justiça de Cabo Verde e confrontado com contundentes criticas.
“Os sectores que integram a estratégia nacional do combate à droga, são programas diferentes em termos de objectivos mas estão interligados. Não sei até que ponto seria correcto afirmar que um está mais avançado do que o outro. Claro que quando investimos mais numa área, acabamos por deixar sempre a sensação que essa área está mais avançada.” - Cristina Andrade, da Comissão de Coordenação do Combate a Droga.
O certo é que no domínio do tratamento, e da reintegração dos toxico-dependentes, componentes imprescindíveis de um combate do fenómeno da droga que se pretende multifacetado em Cabo Verde, só recentemente o país decidiu ensaiar os primeiros e ousados passos nesse sentido, com a inauguração em Julho ultimo da Comunidade Terapêutica da Granja de São Filipe, no interior da ilha de Santiago.
Diga-se o primeiro serviço publico que passa assim a assumir a tarefa até então exercida pelos serviços da psiquiatria dos hospitais centrais da Praia e do Mindelo e pela tenda El Xadai, esta ultima uma iniciativa de cariz religioso.
Sobre o funcionamento do centro, ouçamos a propósito a psicóloga, Fernanda Marques, responsável pela Comunidade Terapêutica da Granja de São Filipe.
“Não tínhamos uma unidade especifica para o tratamento e reinserção dos toxico dependentes. Com a inauguração deste centro, eu penso que vamos conseguir melhores resultados no tratamento e consequente reintegração dos toxico dependentes. O tratamento que vamos proporcionar na Comunidade Terapêutica da Granja de São Filipe vai estar assente essencialmente em grupos terapêuticos. Em relação ao modelo de tratamento, vai ser o modelo Minnesota, baseado na filosofia dos doze passos dos alcoólicos e narcóticos anónimos. Pretendemos que o adicto tenha conhecimento do mal que causou a si e a família e fazer com que ele adquira novas formas de estar de vida, de pensar e de encarar a própria vida.”
Mas e entretanto ao nível da própria sociedade, que a tarefa de recuperação e de reinserção social encontra os maiores obstáculos.
Uma batalha travada contra o preconceito e o estigma, que Cristina Andrade da Comissão de Coordenação da Luta contra Droga acredita estar ao alcance da instituição e da própria sociedade.
“Essa questão do estigma e do preconceito associado à questão da toxico dependência, representa sempre uma barreira. Interessante que muitas vezes, ouvimos a própria população alegar que os drogados são um problema da Comissão Nacional de Combate a Droga e não da sociedade. Mas o que e encorajador em tudo isto e o facto da comunidade e das organizações juvenis estarem hoje mais abertos, mais colaborantes. Quanto maior for a carga preconceito, maior será igualmente a dificuldade de tratamento e de reintegração de um toxico dependente’.
Trabalhar para erradicar um preconceito da sociedade e de um estigma, que parece ter eleito um grupo especifico da sociedade caboverdiana, para tal qual ferro em brasa, deixar indelével as suas marcas.
Trata-se pois dos repatriados caboverdianos. Ex-imigrantes ou descendentes de imigrantes caboverdianos nos Estados Unidos, entre eles, alguns jovens com passagem pelo crime e pela droga mas que no país dos antepassados, tem feito face a sérias dificuldades de reintegração social.
“Obviamente que consideramos esse grupo, como um grupo de risco quando se trata do consume de droga. E preciso que todos nos despertemos a consciência para esta questão. A condição em que se encontram em Cabo Verde, predispõem o grupo às tentações da droga. Consciente dessa situação, a Comissão Nacional de Combate a droga tem procurado integrar todas as iniciativas tendentes em apoiar a reintegração desse grupo especifico” - conclui a psicóloga Ana Cristina Andrade, da Comissão de Coordenação do Combate a Droga em declarações a Voz da Americao.