Mais de 538 mil eleitores foram, no domingo, chamados a escolher entre os dois candidatos, Alam Bacai Sanhá e João Bernardo Nino Vieira, o sexto presidente da Guiné-Bissau em 32 anos de independência. As 2.210 assembleias de voto de todo o país (onde aparentemente a afluência as urnas esteve muito aquém dos 87 por cento registados na primeira volta) foram fiscalizadas no terreno por mais de duas centenas de observadores nacionais e internacionais e sabe-se que os primeiros resultados oficiais provisórios só deverão ser conhecidos, 48 horas após o encerramento das urnas.
A Guine Bissau proclamou unilateralmente a sua independência a 24 de Setembro de 1973, facto que, entretanto, seria reconhecido por Portugal apenas cerca de um ano mais tarde, a 10 de Setembro de 1974. Desde então o pais já conheceu cinco presidentes, dois deles interinos.
Luís Cabral foi o primeiro entre 1973 a 1980, seguido por "Nino" Vieira entre 1980 a 1999 e este por Malam Bacai Sanhá, na qualidade de presidente interino. Kumba Ialá desempenhou o cargo entre 1999 a 2003 e, a partir de 2003, Henrique Rosa, o actual presidente de transição, assumiu essas mesmas funções...
De realçar que na historia do pais, nunca um vencedor das presidenciais terminou o seu mandato.
Em 1994, "Nino" Vieira saiu vencedor da primeira votação, derrotando Kumba Ialá apenas na segunda volta. Contudo, acabou afastado do poder após o conflito militar de 1998/99, tendo passado estes últimos seis anos exilado em Portugal.
Em Janeiro de 2000, já na segunda volta das segundas presidenciais, Kumba Ialá venceu Bacai Sanhá, mas acabaria também por cair do poder após o golpe de Estado de 14 de Setembro de 2003.
Na primeira volta destas eleições realizadas 19 de Junho ultimo, Malam Bacai Sanhá foi o candidato mais votado com 35,45 por cento dos votos, contra os 28,87 por cento recolhidos por Nino Vieira, num pleito eleitoral que contou ainda com a participação de onze outros candidatos.
Para muitos observadores momento crítico poderá não ter sido a votação de domingo, já que os eleitores deram mais uma vez e de acordo com relatos que nos chegaram um pouco por todo o pais, provas dum civismo sem falhas.
A grande incerteza paira sobre o momento da proclamação dos resultados, de um escrutínio que se fez num clima de ajuste de contas , entre duas faccoes do partido da independência, o PAIGC.
Em Bissau e arredores e, sobretudo, nas principais ruas e cruzamentos da cidade, era ontem visível durante a votação, embora de forma discreta, a presença das forças de segurança.
Temores de que a Guiné-Bissau seja de novo palco de violência após a segunda volta das eleições presidenciais, têm sido expressos pelas organizações internacionais e observadores, e foram mais de duas centenas entre nacionais e internacionais os que acompanharam no terreno a segunda volta das eleições presidenciais.
Recorde-se que no rescaldo da divulgação dos resultados da primeira ronda eleitoral, uma manifestação violenta de apoiantes de Kumba Yala, aparentemente não autorizada pelas autoridades nacionais , foi alvo de uma sangrenta repressão por parte da Policia de Intervenção Rápida, resultando na morte de quatro jovens manifestantes e na detenção do antigo primeiro ministro e membro do Partido da Renovação Social, PRS, o partido que sustentou a candidatura de Kumba Yala, Artur Sanha, por desacato a ordem.
Há oito dias, o Ministério do Interior sofreu um assalto armado que deixou dois policiais mortos e dez outros feridos, e cujos motivos ainda não foram esclarecidos. Até o momento, 20 supostos atacantes foram presos, mas teme-se que o caso, a semelhança das experiências anteriores, venha em nome de uma frágil reconciliação nacional, servir apenas para engrossar o já gigantesco rol de processos e casos remetidos a impunidade.
Em caso de vitória de Nino Vieira, o mais provável é que o Governo eleito e a actual direcção do PAIGC, presididos por Carlos Gomes Júnior, não sobrevivam, como o próprio já avisou, isto não obstante as garantias contrarias no sentido de uma convivência pacifica entre a presidência e o governo, dadas ontem por aquele antigo presidente e candidato independente, caso saia vencedor destas eleições.
A merecer a preferencia dos eleitores guineenses, o antigo chefe de estado teria igualmente que conviver com o que ainda resta de toda uma chefia militar, que em 1998 liderou a rebelião armada que culminou com a sua destituição do poder e exílio forcado.
E a grande incógnita aqui, passa pela capacidade de adaptação do antigo chefe de estado, as novas circunstancias, caso venha a ser o eleito como novo presidente do pais, já que qualquer eventual mexida no comando dos militares guineenses, poderia resultar em mais um episódio trágico, semelhante aos que a historia daquele pais nos foi habituando ao longo dos últimos anos.
Mas caso a preferencia dos eleitores guineenses exclua Nino Vieira da presidencia do pais, em causa poderá estar igualmente o futuro político deste antigo líder guerrilheiro, com responsabilidades em alguns dos episódios sangrentos de um passado recente da historia da Guine Bissau.
Já a vitoria de Malam Bacai Sanha encarado entre alguns sectores políticos afectos ao partido no poder ,como a reencarnacao da estabilidade de ha muito perseguida, por representar em termos políticos, uma inequívoca preferencia dos guineenses pelos ovos numa só cesta, poderia em certa medida redundar na exacerbação de um poder, neste caso os do primeiro ministro Carlos Gomes Júnior, alvo nos últimos tempos de fortes criticas por parte de alguns sectores políticos que o acusam de intolerância e de arrogância no dialogo com a oposição.
E, pois, este o dilema, com o qual os eleitores guineenses foram no domingo confrontados, ao serem chamados as urnas para elegerem o sexto presidente da Guine Bissau.