Órfãos e sobreviventes da repressão de 27 de Maio de 1977 em Angola voltam a exigir responsabilização política dos culpados pelos milhares de assassinatos, agora com o argumento de que o combate à impunidade, uma das bandeiras do Presidente João Lourenço, deve encontrar eco também no plano dos direitos humanos.
Juntos na chamada ‘’Plataforma 27 de Maio’’, criada há uma semana, membros de associações de sobreviventes levantam a voz em nome de um perdão e identificação das vítimas, mas há quem duvide que o Governo não vai satisfazer tais exigências.
Só depois de um pedido de perdão, sendo certo que existirão culpados com responsabilidades públicas, haverá reconciliação, afirma Miguel Francisco, membro da ‘’Plataforma’’, para quem a dimensão da tragédia não deve ser analisada apenas no quadro da comissão que trata da homenagem às vítimas dos conflitos políticos.
‘’Não é com um monumento ou certidões … sem sabermos qual é a génese. Não aceitamos, é bom que o Governo se coloque na nossa posição. Ninguém quer julgamentos, não é possível, mas queremos responsabilização política e que peçam perdão para que haja reconciliação’’, solicita o advogado.
Miguel Francisco ‘’Michel’’, autor do livro ‘’Reflexão: Racismo como cerne da tragédia do 27 de Maio’’, reitera que não há negociação possível quando em causa estiver a luta pela verdade.
‘’A verdade não se negoceia, desvenda-se. Temos de discutir o que esteve na base daqueles mortos todos, da maldita informação do Presidente (Agostinho) Neto, que tem responsabilidades históricas, estou a afirmar sem receios’’, recorda aquele sobrevivente.
O analista político José Cabral Sande, que assume ter seguido um pouco da tragédia, percebe a dor dos sobreviventes e familiares das vítimas, mas acha irrealista que se partam bens públicos para a identificação de corpos e se apontem culpados.
‘‘Há situações em que os culpados são abstratos. Todos sabem como é que começou, mas ninguém conseguiu dizer o que aconteceu depois do despoletar do conflito’’, sublinha Sande.
Ainda sem qualquer reação ao surgimento da ‘’Plataforma’’ que exige tratamento diferenciado dos acontecimentos do 27 de Maio de 1977, o Governo angolano continua a evocar a reconciliação nacional para justificar a comissão criada pelo Presidente, a vigorar até 31 de Julho de 2021.
A Amnistia Internacional estima que tenham sido mortas cerca de 30 mil pessoas, a maior parte sem ligação a Nito Alves.