Uma criança denuncia uma violação a cada duas horas em Moçambique, que regista um recorde de 14 casos diários, a maioria deles relacionados com uniões prematuras, abuso sexual e acesso à educação.
Os dados são da Linha Fala Criança (LFC).
Perante esta realidade multiplicam-se os pedidos de ações mais enérgicas por parte das instituições do estado, governo e da sociedade civil, porque, dizem, esgotou-se o tempo de reflexões e pesquisas.
De janeiro e março deste ano, pelo menos 1.144 casos de violação contra criança foram registados pela Linha Fala Criança, em todo o país, de um total de 20 mil chamadas efetuadas através do número 116, por irmãos e ou tios das vítimas.
As denúncias permitiram o resgate de dezenas de raparigas de uniões prematuras.
A maioria das vítimas é do sexo feminino e, em alguns casos, menores de 12 anos, que foram resgatadas de uniões prematuras com homens quatro ou até sete vezes mais velhos. Em outros casos, a união foi frustrada durante a entrega da rapariga ao 'prometido' durante a cerimónia tradicional.
Quase metade dos casos foram denunciados nas províncias de Manica, Sofala e Zambézia, no centro de Moçambique, seguidos de Nampula e Cabo Delgado (norte), e por último, com menos casos reportados (12%), as províncias do sul do país.
“Esses números são a ponta do iceberg, são os casos que passaram por uma instituição e tiveram um tratamento, o que significa que, por debaixo destes números, há mais crianças e adolescentes que passaram por violações”, diz em declarações à Voz da América, Simione Mhula, gestor nacional de Proteção à Criança na Organização Não Governamental World Vision Moçambique, parceira da LFC.
Denúncias não param de crescer
O caso mais recente, da violação de uma menor de 13 anos por um homem de 82 anos, foi reportado esta segunda-feira, 29, em Chimoio, capital de Manica, após a denúncia da irmã, tendo o mesmo sido levado às autoridades.
A menor, agora grávida de seis meses, terá sido violada de forma recorrente por um empregado doméstico.
“A criança era deixada com o senhor enquanto a mãe saía para vender, e o senhor ficava a abusar da criança na ausência da mãe. Depois já na casa da minha mãe repararam na criança e viram que estava grávida”, explica a irmã da menor, que teve a identidade protegida.
Na semana passada, a polícia deteve um homem por ter violado a sua filha de nove anos, supostamente como parte de um ritual para o enriquecimento ilícito.
Feridas no futuro
“A polícia, ao tomar conhecimento por via de denúncia, fez o seu trabalho que culminou com a neutralização desse cidadão, cuja detenção já foi legalizada junto ao Ministério Público (...) e é um facto muito preocupante, tendo em conta que tendem a aumentar esses casos”, precisou Mateus Mindu, porta-voz da polícia em Manica.
Entretanto, Simione Mhula entende que a Linha Fala Criança facilitou e reforçou mecanismos de acesso de menores às instituições de justiça e outros serviços de apoio às vítimas de violação, mas lembra que urge aumentar os investimentos.
“Há casos em que as famílias denunciam uma união prematura e o caso acaba consumado, porque a polícia não tinha meios de intervir e impedir. O orçamento para a proteção da criança está aquém do desejado”, insiste Simione Mhula.
O ativista alerta que caso não haja investimentos urgentes e suficientes, o país poderá acumular crianças traumatizadas pelas violações, que se vão tornar em adultos feridos no futuro, o que poderá gerar igualmente famílias conturbadas.
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