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Tumultos de Vilankulo resultaram da indiferença da população perante a justiça, dizem analistas


Os tumultos registados no passado fim de semana, em Vilankulo, província de Inhambane, sul de Moçambique, que se saldaram em pelo menos dois mortos e alguns feridos, traduzem a ruptura do contrato social entre o Estado e a sociedade, e reflectem, sobretudo, o cansaço da população relativamente à indiferença da polícia perante o crime, dizem analistas.

A revolta ocorreu no posto administrativo de Mapinhane, e seguiu-se à tentativa de elementos da população local de retirar da esquadra um suposto sequestrador de uma criança para fazer justiça pelas próprias mãos.

Os mortos incluem um jovem e uma criança, e entre os feridos conta-se um agente da polícia, que foi agredido por populares, que também tentaram vandalizar a esquadra policial. Os manifestantes colocaram barricadas, incendiaram pneus, e o trânsito na Estrada Nacional n.º 1, a principal do país, ficou interrompido durante algumas horas.

Situações desta natureza têm sido recorrentes em Moçambique, e o sociólogo João Colaço diz que traduzem uma clara ruptura do contrato social entre o Estado e a sociedade.

"A sociedade paga impostos, cumpre com aquilo que são as leis emanadas pela Constituição, mas espera também que o Estado, no âmbito do contrato social, cumpra o seu papel, e uma das funções do Estado é garantir a segurança aos cidadãos", realçou Colaço.

Ele enfatizou que "quando o papel do Estado não é cumprido na íntegra, torna-se normal que os cidadãos afectados directamente atingidos pela insegurança façam justiça pelas próprias mãos".

Cansaço da população

"Há muitas causas juntas, e a primeira e mais comum é que quando a população é vítima de acções criminosas e, aparentemente, não vê onde está o Estado (...) e muitas vezes, sem evidências, tenta fazer justiça pelas próprias mãos", diz o jurista Tomás Vieira Mário.

Ele referiu que há um cansaço da população "porque há muita criminalidade à solta, e muitas vezes, acontece que as populações, eventualmente, denunciam pessoas suspeitas, a polícia leva os suspeitos perante o Procurador".

Mário avançou que "uma vez que o Procurador não investiga o suficiente, e por seu vez leva os suspeitos perante o juíz, e sem que a acusação seja sustentada, o juíz liberta as pessoas; e aqui onde começa o conflito; a população entende que a justiça é conivente, porque no dia seguinte vê o suspeito livre".

No seu entender, no meio disto tudo, o elo mais fraco é a investigação que não consegue levar até ao juíz matéria para este considerar, "porque o juíz não pode meter na cadeia qualquer suspeito, sob o risco de ele também violar a lei".

Por seu turno, o analista Fernando Lima diz que a população está muito cansada deste tipo de situações, nomeadamente, o aumento da criminalidade e a percepção de um entendimento de indiferença perante o crime, sobretudo crimes de sequestro de crianças, por parte das autoridades.

Excesso de força

Para Lima, a polícia agiu correctamente ao não deixar que a população fizesse justiça pelas próprias mãos, mas lamentou as mortes que se registaram nesta confrontação, "o que significa que, não obstante a polícia ter tentado prevenir que a população linchasse um indivíduo detido para investigação, a polícia continua a não estar preparada para lidar com este tipo de incidentes".

"A polícia age com excesso de força, logo, causando mortes entre os amotinados; se a polícia tivesse bastões, tivesse treino adequado para lidar com situações de revolta de multidões amotinadas, nunca se teriam verificado casos mortais", criticou aquele analista.

Para o analista Paulino Cossa, a justiça pelas próprias mãos deve ser sempre condenada, recordando que casos desta natureza ocorreram em Chiconela, na Manhiça, e em muitos outros locais, onde morreram pessoas, mas quando foi feita a averiguação se concluíu que essas pessoas eram inocentes.

O administrador distrital de Vilankulo, Edmundo Galiza Matos Jr, citado pela Rádio Moçambique, condenou a manifestação violenta e exigiu a responsabilização dos mentores da revolta.

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