No Brasil, 127 anos depois da abolição da escravatura, casos de trabalho escravo ainda são registados em várias regiões do país.
Os escravos, sobretudo provenientes de países africanos, ganharam o direito à liberdade com a assinatura da Lei Áurea, no dia 13 de Maio de 1888, depois de terem sido submetidos a todos os tipos de abusos. Mas, até os dias de hoje, em muitos Estados brasileiros, ameaças de morte, dívidas que impedem o ir e vir e jornadas que ultrapassam 12 horas por dia fazem parte da triste realidade dos escravizados modernos.
Um dos sectores mais manchados pela exploração do trabalho no Brasil é a construção civil. Mas os canteiros de obras estão longe de ser os únicos espaços marcados pela falta de dignidade aos trabalhadores. Confecções de grifes mundialmente famosas, como a Zara, também são denunciadas no Brasil pela submissão de trabalhadores a jornadas de trabalho excessivas, com atraso nos pagamentos e até por exploração de crianças.
O procurador do Ministério Público do Trabalho, Coordenador da Comissão Nacional de Combate e Erradicação do trabalho escravo, José Pedro dos Reis, lembra que essa situação criminosa é vista em todo o território brasileiro nas áreas urbanas e rurais.
“As pessoas são aliciadas em regiões distantes e trazidas para os grandes centros. O trabalhador é submetido a essas condições na área urbana na construção civil e em confecções, já na área rural, em pecuária e agricultura. Actualmente, o trabalho em condições análogas ao escravo é definido não só pela restrição da liberdade de ir e vir, mas, também, pelas condições degradantes de trabalho e pelas jornadas exaustivas,” afirma.
O procurador lembra que os escravocratas modernos usam um novo tipo de privação de liberdade. “Os trabalhadores, muitas vezes, não estão com a restrição da liberdade de ir e vir de facto, mas, psicologicamente, eles são obrigados a permanecerem no trabalho. Muitos empregadores retêm os documentos e pertences do trabalho, dizendo que ele tem uma dívida e um compromisso de fazer um trabalho e não permite que ele saia. Há uma restrição psicológica. Como ele vai sair sem os documentos?”, questiona.
Minas Gerais, São Paulo e Goiás lideram o ranking de Estados onde foram encontrados mais trabalhadores em condições análogas à escravidão no Brasil, em 2014. De acordo com o estudo, o Ministério do Trabalho e Emprego registrou quase 1.600 casos, no ano passado, em todo o país.
Para o procurador José Pedro do Reis, como os demais crimes no Brasil, o que sustenta o trabalho escravo até hoje é a impunidade. Ninguém vai para a prisão no Brasil por escravizar os outros.
“A impunidade no aspecto penal é muito forte no nosso país. Na esfera trabalhista nós temos conseguido dar uma resposta à sociedade através da cobrança de valores altíssimos, a título de dano moral colectivo. O Ministério Público do Trabalho tem feito isso, multado e resgatado trabalhadores. Entretanto, na esfera penal é tudo muito incipiente ainda. Não há muitas ações. Infelizmente, a impunidade no nosso país é comum,” conclui o magistrado.