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Testes de ADN confirmam que ossadas entregues a algumas famílias das vítimas do 27 de Maio não são dos seus parentes


Angola Luanda 27 de Maio Nito Alves manifestação
Angola Luanda 27 de Maio Nito Alves manifestação

"Foi com espanto e dor ... que se concluiu que nenhuma das amostras corresponde aos cadáveres", dizem numa "Carta a Angola", a que a Voz da América teve acesso e que surge depois da confirmação dos resultados de testes de ADN feitos em algumas vítimas e seus parentes.

Um choque, uma ferida que volta a abrir, dizem filhos de alguns dos membros do MPLA assassinados pelo próprio regime angolano durante o chamado massacre de 27 de Maio de 1977 ao tomarem conhecimento que nenhum dos restos mortais entregues pelo Executivo às famílias corresponde aos dos seus pais assassinados na altura.

"Foi com espanto e dor ... que se concluiu que nenhuma das amostras corresponde aos cadáveres", dizem numa "Carta a Angola", a que a Voz da América teve acesso nesta quarta-feira, 22.

Esta reacção surge depois da confirmação dos resultados de testes de ADN feitos às ossadas de algumas das vítimas e seus parentes.

"Lamentavelmente não há nenhuma coincidência com o ADN das famílias em causa", disse num encontro com familiares das vítimas em Lisboa, o ex-presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal, de Portugal e professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Duarte Nuno Vieira, quem liderou a equipa que investigou as ossadas a pedido de alguns familiares.

"Incrédulos, perguntamos porquê que nos fazem isto" Porquê que nos fizeram isto? Não chegou terem-nos imposto uma vida familiar amputada, sempre marcada pela tristeza da perda dos nossos país? Não bastou o Estado ter demorado mais de 40 anos - mais do que a idade da maioria das vítimas - para tentar assegurar às vítimas o direito à identidade", dizem os "orfãos da associação M27 na carta.

"Uma luz no fundo desde longo túnel"

Os subscritores dizem que há e ano e meio viram "uma luz no fundo deste longo túnel e essa luz trouxe esperança para muitos de nós", quando o Presidente angolano, "pela primeira vez na história de Angola independente, reconheceu os excessos do Estado nos acontecimentos que se seguiram ao 27 de Maio, prometeu justiça e dignidade para os mortos, paz e reconciliação entre os vivos".

Esse gesto, dizem, "olhado inicialmente com desconfiança, por ser inédito, por ter lugar em ano anterior ao de eleições, porque esperávamos tanto tempo que já tínhamos desesperado, acabou por ser reconhecido por todos nós como o primeiro sinal genuíno de busca pública da verdade e intenção de reconciliação".

Na altura, o Governo angolano criou uma Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP), presidida pelo então ministro da Justiça de Angola, Francisco Queiroz, quem em 2021, indicou que restos mortais que estavam numa vala comum podiam pertencer a alguns dos principais protagonistas do 27 de Maio.

Os filhos das vítimas na carta dizem ter questionado sempre a metodologia seguida pela comissão "porque envolvia pessoas intimamente ligadas à repressão de Maio de 1977, que nenhum interesse terão na reposição da verdade" e perguntam "porque não incluiu representantes das vítimas".

ADN das ossadas não conferem com familiares

A comissão também, segundo a mesma fonte, nunca tornou claros os procedimentos que estava a seguir à localização e identificação dos cadáveres.

Entre as ossadas, muitas entregues às famílias, em cerimónias com a presença do ministro Francisco Queiroz, estariam, segundo aquele governante, as de Nito Alves, Pedro Fortunato, Bakalov, Monstro Imortal, Sita Valles , José Van-Dunem, David Zé, Urbano de Castro, Domingos Barros "Sabata" e Artur Nunes e ainda Júlio e Ilídio Ramalhete.

"Já tínhamos algumas suspeitas de que alguma coisa não estava bem", referiu Duarte Nuno Vieira, num encontro com vários filhos das vítimas em Lisboa, citado pela RTP e o jornal Diário de Notícias nesta quarta-feira.

"Primeiro os resultados do ADN saíram muito rapidamente , o que fez pensar em ossos mais recentes do que corpos com 40 anos como era suposto. Depois, as características dos esqueletos também sugeriam que eram mais recentes. Temos a certeza que os corpos não pertencem aos que eram esperados. Esta é uma certeza científica", concluiu o antigo presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal, de Portugal, quem liderou uma equipa integrada também pelo director nacional adjunto da PJ, Carlos Farinha, responsável pelo Laboratório de Polícia Científica, onde foram feitos alguns exames, e as antropólogas forenses Eugénia Cunha e Inês Santos.

Duarte Nuno Vieira lembrou que quando a equipa dele acesso às ossadas estavam já em sacos.

"Dor incurável" e máquina de propaganda

João Van-Dunem, filho de José Van-Dunem e de Sita Valles, assassinados na altura pelo regime, reconheceu, em declarações à RTP, "que criou-se a expectativa que, sim, possivelmente, teriam localizado os corpos dos nossos pais".

Conceição Coelho, filha de Rui Coelho, também assassinado, depois de 45 anos, afirmou que "tínhamos a expectativa de que agora, finalmente, conseguiriamos reaver os restos mortais, finalmente poder enterrar esses restos mortais, o que acontece.. tivemos uma enorme frustração".

Ante esta realidade, os órfãos do 27 de Maio dizem não desistir e querem uma investigação séria.

Enquanto isso, reconhecem "uma dor incurável, misto de perda, de ausência e de incerteza sobre as condições em que os nossos pais perderam a vida".

Na carta, eles lembram que "foi criada toda uma máquina de propaganda que poderia garantir tudo, menos um trabalho rigoroso e um resultado sério".

"45 anos é tempo suficiente para se encarar a verdade"

"Foram exibidas na televisão imagens de um técnico brasileiro com um aparelho que serviria para localizar corpos; imagens de equipamentos semelhantes a retroescavadoras, que estariam no local a remover restos mortais; chegou-se ao ponto de anunciar publicamente a possível localização de cadáveres de pessoas cujos nomes foram publicitados nas televisões, enquanto se exibiam esqueletos humanos, reavivando sentimentos de profunda comoção e sofrimento nas famílias", continuam os membros da associação M27 que falam num "exercício de crueldade".

"Ouvimos pronunciar o nome dos nossos pais e o de pais de companheiros nossos, órfãos também na sequência daqueles massacres. Ali estavam os restos mortais, que encerrariam um capítulo da história. Foram entregues corpos em cerimónias públicas amplamente televisionadas, em véspera de eleições presidenciais. Foram realizadas cerimónias fúnebres. O país viu. Todo o país viu e viveu esse momento como um tempo de verdade e reconciliação", dizem, lembrando que "estão vivos e identificados muitos dos responsáveis e participantes na repressão" e perguntam por que "essas pessoas não são chamadas a indicar, sob juramento, os locais onde foram enterrados ou lançados os corpos a que tiraram ou mandaram tirar a vida".

A carta conclui dizendo que "45 anos é tempo suficiente para se encarar a verdade e para o país enfrentar os seus traumas. A verdade ilumina e reconcilia".

A 27 de Maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado supostamente liderada pelo antigo ministro do Interior, Nito Alves, expulso do MPLA uma semana antes, foi fortemente reprimida pelas forças de segurança leais ao então Presidente Agostinho Neto, com apoio das tropas cubanas, na altura estacionadas em Angola.

O movimento passou a ser conhecido por “fraccionanismo” e foi completamente dizimado.

Várias fontes estimam que cerca de 30 mil pessoas poderão ter sido mortas, muitas sem qualquer ligação aos líderes da suposta tentativa de golpe.

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