O atual surto de cólera acentua a necessidade de o governo investir mais em água e saneamento seguros para a população, dizem moradores de áreas atingidas pela doença, enquanto especialistas pedem soluções sustentáveis que não se limitem à vacinação localizada contra a doença.
O ministério de Saúde moçambicano anunciou a morte de mais cinco pessoas por cólera em menos de uma semana, passando o total para 25 vítimas fatais da doença desde Outubro último. O país contabilizava até 7 de Janeiro um cumulativo de 8.793 casos de cólera, mais 500 casos que a atualização de 2 de Janeiro.
Os surtos da cólera tendem a seguir o ciclo anual da estação chuvosa e afetam desproporcionalmente as comunidades que não têm acesso ao saneamento básico e água limpa, evidenciando o défice dos serviços básicos, diz um especialista à VOA.
“Se for notar, a cólera eclode em zonas que têm alto índice de venda informal de géneros alimentícios, com fraco acesso a água potável e uma distribuição desigual de solo urbano, que não permite que a população possa ter um saneamento adequado”, explica Jorge Matine, director executivo do Observatório Cidadão para Saúde (OCS).
Associado a essas crises, continua Jorge Matine, a mobilidade das pessoas à procura de melhores condições de vida está a aumentar a probabilidade de novos surtos, agravado com as alterações climáticas, à medida que os padrões pluviométricos se tornam cada vez mais intensos e imprevisíveis.
“A população ataca as autoridades locais, porque não consegue encontrar uma explicação plausível tendo em conta o contexto. Há pessoas que não vê essa questão de mobilidades a influenciar. Temos o comboio de Cuamba, sai de Nampula vai até o Malawi”, que regista o surto mais mortal dos últimos 20 anos, refere Matine.
Recursos tradicionais
Em Maringue, um distrito de Sofala que está a enfrentar pelo segundo ano consecutivo um surto de cólera, a população tem recorrido a métodos tradicionais de controlo da doença, como o uso de cinzas para a lavagem das mãos, mas a medida não resulta quando se usa água de rios para o consumo.
“Na minha casa, as primeiras horas tenho que varrer o quintal, limpar casas de banho, lavar as mãos com sabão e cinza depois de uso de latrinas, lavar as verduras antes do consumo”, diz Bento Alface, um líder local, que reconhece, no entanto, que a falta de sistemas de abastecimentos seguros de água dificulta o controlo da doença.
Cecília Chamutota, Secretária de Estado de Sofala, observa que as autoridades reparam com muita preocupação a eclosão da cólera naquele distrito, que enfrenta graves problemas de acesso à água potável.
“A cólera nesses últimos dias tem sido uma grande preocupação do governo do distrito, na medida em que já estamos a ter em dois anos seguidos a eclosão da doença. É verdade que os nossos profissionais de saúde estão a trabalhar arduamente”, vincou Chamutota, durante o lançamento da campanha de vacinação contra a cólera.
Vacinação
Espera-se que, pelo menos, 2.2 milhões de pessoas sejam vacinadas contra a cólera numa campanha de cinco dias, iniciada na segunda-feira, 8, que deverá cobrir nove distritos mais afetados pelo atual surto da doença no centro e norte de Moçambique.
Entretanto, Matine argumenta que “todos esses problemas não vão se resolver só com a vacina. A vacina é mais preventiva, mas é preciso criar outros meios e condições para que a população possa encontrar condições e soluções mais sustentáveis”.
Nas áreas que se debatem com o atual surto, a falta de infraestruturas e de recursos para campanhas de educação e sensibilização para a saúde pública está a dificultar o controlo da propagação.
As doenças transmitidas por via de água são responsáveis por 20 por cento das admissões hospitalares em Moçambique. A cólera é a segunda principal causa de morte de crianças menores de cinco anos.
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