Começam agora a surgir mais detalhes sobre o modus operandi dos "bandidos" que queriam pertencer ao Al-Shabab e que viraram Mocímboa da Praia do avesso, a 5 de Outubro. Por exemplo, na semana anterior a esta data, venderam todos os seus pertences, o que deverá ter patrocinado o ataque, sendo também um sinal claro de uma consciência de não retorno após o mesmo. Ou seja, estavam preparados para morrer. Quanto ao encerramento de 3 mesquitas na capital da Província de Cabo Delgado, Pemba, fonte local menciona a curiosidade de uma delas, sita na estrada que liga o aeroporto à Marginal, no Bairro de Cariacó, denominada Uthman Ibn Affan, até ter ar condicionado, o que contrasta com as fotos dos barracos improvisados que têm sido apresentados como frequentados pelos atacantes.
Também se comenta a potência de alguns carros que aí estacionavam em frente, sobretudo às sextas-feiras, havendo aqui indícios do financiamento prestado ao grupo de atacantes e, certamente também, com ligações ao exterior do país. Por exemplo, a Polícia Moçambicana tem detido todos os estrangeiros suspeitos que se apresentam de barba longa, enquanto que aos nacionais, lhes manda cortar a barba e seguir a sua vida de forma normal, certamente que monitorizando-os e tentando perceber com quem contactam posteriormente.
Há mais mesquitas programadas para serem encerradas, nomeadamente em Montepuez e Chiúre, assunto que tem causado polémica nas instituições islâmicas que enquadram e representam os muçulmanos junto do Estado moçambicano. Para o Conselho Islâmico de Moçambique (CIM), na voz do seu Secretário-Geral, Abdul Carimo Sau, o encerramento das mesmas não resolverá o problema, já que o mesmo “está nas pessoas e não nos locais de culto”.
Compreendo ser sempre traumático para um muçulmano ver um dos seus locais de culto encerrado, já que o crente islâmico, na impossibilidade de poder ter uma imagem antropomórfica do Divino (é-lhe proibido imaginar o Deus-Homem tipo Gandalf do Senhor dos Anéis, ou outro qualquer), se refugia mentalmente na estrutura física onde pratica a sua oração e também na direcção para onde a consuma, um cubo, em Meca. Há aqui uma concepção quase que arquitectónica de Deus, de linhas e ângulos rectos. Ou seja, se perguntarem a um muçulmano o que é que ele vê quando pensa em Deus, o Absoluto, muito provavelmente ele dirá que pensa na mesquita do seu bairro, a que mais frequenta, ou mesmo no Cubo, em Meca, mantendo a chama acesa de um dia o circundar aquando da Peregrinação a que está obrigado, enquanto Pilar fundacional do Islão.
Abdul Carimo Sau, reitera também a contínua colaboração da CIM com as autoridades moçambicanas, no sentido de apontar mais/outros suspeitos deste ataque, bem como de agentes “radicalizadores” dos muçulmanos moçambicanos, ao mesmo tempo que nega existir a radicalização dos mesmos no seio das mesquitas dizendo, "não há nenhum radicalismo no seio das mesquitas, o que existem são pessoas que por sinal tentaram entrar por esse caminho do radicalismo. E um dos sinais desse grupo é que não usam as mesquitas, eles criaram os seus locais de adoração em quintais e casas de pessoas singulares para se afastarem dos restantes muçulmanos, a quem consideram muitas vezes não muçulmanos."
Já o filósofo Severino Ngoenha sublinha que "a necessidade de uma espécie de purificação não vem tanto do Estado, mas vem da própria comunidade muçulmana que começou a queixar-se, mesmo antes dos eventos de Mocímboa da Praia” (…) “A Polícia, os tribunais e os poderes políticos locais" São o maior desafio de Moçambique neste particular, cujo objectivo será o da manutenção do Estado de Direito e não cair na tentação da purga. Para Ngoenha, "é evidente que não se deve prejudicar a todos, mas se o encerramento temporário significa uma purificação para evitar excessos, e até permitir que aqueles que tiveram sempre uma prática do Islão dentro da regra do Estado de Direito se possa voltar a aplicar, então é uma medida que infelizmente tem de ser tomada e pode ser que seja necessária”.
O debate continuará em Moçambique, bem como continuaremos todos/as, a aguardar pacientemente pelos resultados da investigação ao ataque de 05 de Outubro, que ainda não foram publicados.
Cimeira União Europeia/União Africana
Decorre a 5ª Cimeira UE/UA em Abijan, Costa do Marfim, a qual terá 2 pratos fortes, um servido quente e outro servido frio!
O prato quente prende-se com a presença de uma delegação da RASD/POLISARIO, facto que tem inflamado a diplomacia marroquina e argelina. Nos meses anteriores à Cimeira, ambas as diplomacias se desmultiplicaram em contactos com os seus parceiros europeus e africanos, para permitirem ou impedirem a presença sahraoui nesta reunião magna.
Os marroquinos não vêem com bons olhos a presença daquilo que consideram como uma “não entidade”, já que não reconhecida pela Comunidade Internacional, a República Árabe Sahraoui Democrática (RASD) e o seu “braço-armado”, a POLISARIO. Para a diplomacia marroquina, após todas as cartas jogadas, decidiu optar pela presença do seu Soberano, Mohammed VI, cuja delegação de peso, que também inclui o seu irmão e Príncipe Herdeiro Moulay Rachid e o primo de ambos, o Príncipe Moulay Ismail, tentará desta forma ofuscar a presença argelina e sahraoui. Esta deslocação do Monarca a Abijan, onde decorre a Cimeira, tem o título oficial de “Visita de Trabalho e de Amizade à República da Costa do Marfim”, a qual se prolongará depois pelos trabalhos da Cimeira, campo de batalha diplomática, cujo confronto, neste particular será entre marroquinos e argelinos a propósito da manutenção da RASD no seio dos restantes Estados Africanos Independentes, reconhecidos pelas Nações Unidas e Inter Pares.
Em resumo, este prato quente agitará os ânimos entre os pró-“Sahara Marroquino” e os pró-“Sahara Ocidental”, estes últimos sustentados no chamado Eixo Argel/Pretória e que agora passa menos frequentemente por Abuja.
O prato frio, será o debate sobre a escravatura na Líbia, cujas notícias recentes nos congelaram as mentes. O Presidente do Chade, Mahamadou Issoufou exige que o assunto seja colocado na Ordem do Dia da Agenda da Cimeira, forma de permitir um debate alargado sobre o tema e consequente procura de soluções.
Sobre o assunto escravatura na Líbia, que me parece, aqui e agora, ser um assunto quase que exclusivamente africano, será mais uma oportunidade para o Continente aplicar a velha máxima que vem usando desde o pós-independências, ou seja, “soluções africanas para problemas africanos”. Há registos/notícias de se tratar de assunto mais complexo do que um simples, “são escravos porque são negros”, ou “são negros então podem ser tratados como escravos”. Há outras nacionalidades africanas envolvidas e não são sub-saharianos, tratando-se de emigrantes que se deslocam, por exemplo, de Marrocos para a Líbia, na perspectiva de mais facilmente chegarem a Itália e, vêem-se depois envolvidos nas malhas dos esquemas de migração, que afinal são de tráfico de carne humana.
Tem havido também consequências extra-fronteiras na sequência destas notícias, como por exemplo, a proibição na Argélia do acesso a autocarros e a táxis, para os negros e, também recentemente, um grupo de migrantes sub-saharianos foi gratuitamente atacado em Casablanca, à pedrada, por um grupo de jovens locais e, apenas porque sim!
Já em Bissau, um grupo de cidadãos, manifestou-se frente à Embaixada da Líbia, em protesto contra a escravatura, mas também contra o silêncio do Mundo Ocidental perante este retrocesso civilizacional.
Portugal/Magrebe
O Primeiro-Ministro de Portugal, Antonio Costa, esteve recentemente em deslocação Oficial à Tunísia e prepara agora a Cimeira Luso-Marroquina, num claro olhar a Sul, que se adivinha mais apurado, cuidado e que pretenderá certamente ir além do clássico “Rabat mais próxima de Lisboa, em linha recta do que Madrid”!
Politólogo/Arabista/Colaborador VOA/Radar Magrebe