A seis meses do término de uma das fases do programa de transferências monetárias em Angola, denominado Kwenda, o Presidente da República, João Lourenço, aprovou, por ajuste directo, um contrato milionário para a distribuição de alimentos a famílias vulneráveis, que terá de ser implementado até ao próximo dia 24 deste mês, em obediência à legislação eleitoral.
Num despacho Presidencial de 27 de Junho, o Chefe de Estado não avança a empresa que lucra com mais uma contratação simplificada - um modelo que continua a gerar controvérsia -, a data para o arranque, nem os municípios beneficiários.
São 52,6 milhões de dólares norte-americanos para doações a favor de famílias carentes, aprovados numa altura em que os preços dos produtos voltam a subir e o espectro de fome prevalece inalterável.
“Não tem quem me ajuda, por isso estou aqui na rua a pedir pelo menos um pão”, salienta o munícipe Pedro Cassinda.
“Estamos mesmo a precisar de ajuda, isso está mesmo mal”, refere Ana, que pede esmolas com o filho ao colo.
Os relatos são de munícipes de Benguela, mas poderiam ter sido, por exemplo, de cidadãos do Cunene, onde esteve o economista Abílio Tchicolomuenho Sanjaia, director da Unidade de Projecto e Desenvolvimento da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), que faz um relato dramático do quadro humanitário.
Sanjaia questiona a aprovação deste contrato em fase de execução do Kwenda, que prevê beneficiar 62 municípios até finais deste ano.
“Qual é a fundamentação? Será que os produtos a adquirir são para os municípios e comunas ainda sem Kwenda? São estas informações de que precisamos, as autoridades devem prestar, e a situação ainda se agrava porque estamos em momento pré-eleitoral”, salienta o especialista, ao acrescentar que “a questão da fome… continua a ser uma realidade, principalmente no Sul do país”.
Financiado em 320 milhões de dólares norte-americanos pelo Banco Mundial e 100 milhões pelo Governo angolano, o programa de transferências monetárias está para 51 mil kwanzas, correspondentes a seis meses, para cada família beneficiária.
Já o contrato relativo aos mais de 52 milhões de dólares, como sublinhou o quadro da ADRA, tem implicações políticas, na medida em que terá de ser executado antes de 24 deste mês, o arranque da campanha, ou, na pior das hipóteses, na próxima legislatura.
Mas pode até nem sair do papel.
Um explicação baseada na legislação, dada pelo juiz de Direito Benilde Malê, ajuda a perceber cenários.
“Trinta dias antes (das eleições) poderão apenas praticar gestão corrente, por isso se apela para que tenhamos cuidado, sob pena de violarmos a Constituição. Para o Governo actual, pode ser continuidade, com uma ou outra adaptação, mas estamos a falar de eleições, não sabemos quem ganha, daí que não devemos comprometer o Estado angolano com várias contratações”, sustenta o juiz.
O magistrado, da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal de Benguela, foi abordado pela VOA na última semana, após ter lançado o seu livro sobre direito eleitoral, o primeiro em Angola, que versa, entre outras, temáticas relativas à justiça eleitoral.
Em Novembro do ano passado, quando se apreciava o projecto de alteração à Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, o Presidente João Lourenço, em nota enviada ao Parlamento, defendia a não realização de actos de inauguração de obras públicas e repudiava ofertas susceptíveis de configurar compra de votos em plena campanha eleitoral.