As potências da África austral podem desempenhar um papel importante na ajuda a Moçambique a combater uma crescente insurgência islâmica no norte, dizem os especialistas.
A violência em Moçambique foi discutida, na semana passada, quando os líderes regionais da África Austral se reuniram para uma cimeira virtual da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), um bloco de 16 membros, que visa promover a cooperação política, económica e de segurança.
A reunião aconteceu dias depois de militantes filiados ao Estado Islâmico assumirem o controlo de um porto estratégico da Mocímboa da Praia, em Cabo Delgado.
No seu comunicado mais recente, a SADC expressou a sua “solidariedade e compromisso em apoiar Moçambique na abordagem do terrorismo e ataques violentos, e condenou todos os actos de terrorismo e ataques armados”.
Durante a cimeira, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi assumiu a presidência do bloco, que os especialistas afirmam poder ser “uma oportunidade para uma resposta regional melhor coordenada à crise de Cabo Delgado”.
Alex Vines, director do programa de África na Chatham House, em Londres, diz que existe uma preocupação regional crescente com a crise de Cabo Delgado, mas pouca vontade de Moçambique ou dos seus vizinhos para uma intervenção externa formal.
“A realidade é que Cabo Delgado é muito mais um problema regional da África oriental do que do da África austral”, disse Vines à VOA, acrescentando que “a Tanzânia, especialmente, pode ajudar na partilha de lições e inteligência, e no corte das linhas de abastecimento dos insurgentes da África Oriental e além."
A Tanzânia, que faz fronteira com Cabo Delgado a norte, enviou tropas para a fronteira para evitar a propagação da violência que se desenrola naquela.
Altas expetativas
Em maio, os líderes da Zâmbia, Botswana, Zimbabwe e Moçambique reuniram-se na capital do Zimbabué, Harare, no comité de segurança da SADC. A reunião centrou-se principalmente na situação de segurança no norte de Moçambique.
Na altura, os líderes comprometeram-se a prestar apoio a Moçambique para combater a insurgência em Cabo Delgado.
Especialistas dizem que os moçambicanos têm grandes expectativas em relação à SADC, mas o bloco tem demorado a apresentar uma resposta prática para a insurgência em Cabo Delgado.
“De maio a agosto, não aconteceu muita coisa”, disse Adriano Nuvunga, director executivo do Centro para a Democracia e Desenvolvimento em Moçambique (CDD). “Os insurgentes ganharam confiança, capacidade, mais coordenação e foram mais ousados nas suas ações”.
Nuvunga disse à VOA que estando a situação a se deteriorar no norte de Moçambique, "esperam-se ações rápidas" das potências regionais, mas não tendo isso acontecido, "essas altas expectativas parecem estar a reduzir."
Mas o facto de Moçambique “ter assumido a presidência da SADC pode revelar até que ponto o governo poderá usar essa plataforma para mobilizar apoio nas suas acções contra a insurgência em Cabo Delgado”, acrescentou Nuvunga.
Empresas militares privadas
As autoridades moçambicanas têm contado com empresas militares privadas da África do Sul e da Rússia para ajudar na segurança de Cabo Delgado, onde várias empresas estrangeiras de petróleo e gás, como a ExxonMobil e a Total, têm projetos de investimento.
Os especialistas afirmam que, embora algumas unidades militares moçambicanas sejam mais motivadas e disciplinadas do que outras, as forças governamentais em geral estão desmoralizadas e fragmentadas com a competição, particularmente entre os militares e a polícia.
“Tem havido uma série de ofertas e uma aceitação de que Moçambique precisa de contratar empresas milatares privadas (EMPs) para ajudar nos seus esforços de contra-insurgência,” disse Vines da Chatham House.
“O envolvimento das EMPs não é uma opção de longo prazo; É necessário um melhor treinamento das forças governamentais, linhas de abastecimento consistentes e muito melhor comando e controle e coleta de inteligência ”, acrescentou Vines.
Emilia Columbo, investigadora sénior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington, diz que mesmo as empresas militares privadas têm tido dificuldades de coordenação com as forças de segurança moçambicanas na luta contra os insurgentes.
“À medida em que as operações apoiadas pela EMPs foram bem-sucedidas em repelir os insurgentes, vimos que eles se adaptarem, reagruparem e atacarem novamente”, disse ela à VOA, acrescentando que “é importante observar que mesmo com as EMPs a operar em Cabo Delgado, a insurgência cresceu em capacidade e sofisticação ”.
Quem são os militantes?
Desde a eclosão da insurgência no norte de Moçambique, em 2017, os ataques de militantes contra civis e forças de segurança do Governo mataram mais de 1000 pessoas e deslocaram mais de 210 mil, de acordo com as Nações Unidas.
Conhecida localmente como al-Shabab, Ahlu Sunna wa Jama é o principal grupo militante responsável por esses ataques. É tido como a filial moçambicana do grupo terrorista Estado Islâmico (ISIS)
Em abril de 2019, o ISIS declarou a sua província da África Central, conhecida como ISCAP. Os ataques atribuídos à sua afiliada na Província da África Central limitaram-se a Moçambique e à República Democrática do Congo.
Autoridades e especialistas moçambicanos acreditam que os combatentes estrangeiros desempenham um papel importante na insurgência no norte de Moçambique.
Numa conversa recente com David Malpass, presidente do Banco Mundial, o presidente moçambicano Nyusi disse haver evidências de que militantes estrangeiros têm estado a treinar insurgentes locais em Cabo Delgado.
“Temos sinais de envolvimento, nesta ameaça terrorista, de estrangeiros que estão a recrutar e a treinar os jovens locais, e que também devem estar a equipá-los, porque nós não sabemos como é que eles conseguem equipamento", disse Filipe Nyusi, num encontro virtual com Malpass.
O analista Nuvunga disse que o conhecimento que os insurgentes mostram sobre a geografia da zona e a forma como se engajam com a população local sugere que eles são da área.
“Eles são jovens locais que foram mobilizados e instrumentalizados por certos interesses para causar toda essa destruição”, disse Nuvunga.
Nuvunga disse que "os mentores e líderes que acredito estarem por trás de toda essa instrumentalização" ainda não foram identificados.