Por Israel Campos
BUCARESTE - Cerca de 500 candidatos angolanos ao ensino superior dizem estão preocupados com o problema do certificado e 50 afirmam já ter sido rejeitados por universidades romenas nos últimos meses por causa de “irregularidades de certificação”, segundo disse à VOA o presidente da União dos Estudantes Angolanos na Roménia (UEAR), Moisés Silva.
Moisés Silva, que assumiu recentemente a posição de presidente da agremiação estudantil que existe desde 2008, diz que nos últimos meses a organização tem sido contactada por um número significativo de angolanos interessados em se deslocar para a Roménia a fim de darem sequência aos seus estudos superiores.
“Muitos estudantes angolanos que tentam se candidatar a universidades da Roménia estão a ser negados por causa dos seus certificados [emitidos em Angola]. Não estamos a falar de um ou dois casos. Estamos a falar de muitos casos!”, afirma Moisés Silva.
Segundo o presidente da UEAR, tal se deve ao facto de ter havido uma alteração na nomenclatura dos certificados do ensino secundário emitidos por instituições angolanas, que não foi, até ao momento, comunicada às autoridades da Roménia, o que tem resultado na rejeição sistemática de candidaturas de estudantes angolanos.
“Há alguns anos, o Ministério da Educação de Angola mandou uma lista com os modelos de certificados válidos em Angola. A lista incluía somente três modelos, nomeadamente: ‘certificado de habilitações’, ‘certificado de estudos pré-universitários’ e ‘certificado de ensino médio’”, clarifica Moisés Silva.
Contudo, muitos certificados a serem actualmente emitidos por instituições do Ensino Secundário em Angola, designam os documentos somente como “Certificados”, o que, segundo as universidades romenas, não se enquadra em nenhum dos modelos outrora indicados pelas autoridades angolanas.
“O MED não mandou uma lista actualizada dos certificados que estão a ser emitidos hoje em Angola e isto tem criado estes embaraços”, lamenta Moisés Silva que diz já ter notificado as autoridades angolanas, nomeadamente a Embaixada de Angola na Sérvia e o Ministério da Educação de Angola, mas sem resposta até ao momento.
À VOA, o porta-voz do Ministério da Educação, esclarece que estes assuntos “são tratados por via diplomática e entre as chancelaria de ambos países e não propriamente com o MED”.
“Podemos avançar que até agora não temos nenhuma comunicação oficial do Ministério homólogo, tomamos conhecimento [da situação] através de uma nota do Ministério das relações Exteriores, ofício n.º 2017/15.17/GMRE/2023 do Gabinete do Ministro das Relações Exteriores”, adiciona.
Numa carta enviada pela UEAR à titular da pasta da Educação de Angola, a ministra Luísa Grilo, datada de 9 de Junho deste ano, a que tivemos acesso, o presidente desta organização “pede encarecidamente que a Sra. Ministra solucione este impasse o mais brevemente possível”, notificando ao seu ministério homólogo romeno sobre a actualização das nomenclaturas dos certificados do ensino secundário em Angola.
Moisés Silva, tal como alguns estudantes engajados em estudar na Roménia, lamenta o silêncio da dirigente angolana até ao momento.
“Só estão a condicionar o meu futuro e os meus estudos”
Riquelmo Bartolomeu, 22, é um deles. Com formação média em Metalo-mecânica, concluída em 2019 no Instituto Politécnico Industrial de Luanda (IPIL), ex-Makarenko, o jovem luandense diz já ter gasto cerca de 60 euros (o equivalente hoje a 55 mil kwanzas) em candidaturas universitárias na Roménia que “não deram em nada”.
“Por não sentir a convicção de ensino que procurava [em Angola], decidi começar a fazer pesquisas sobre opções no exterior, e descobri que a Romênia era um país com custo de vida acessível para mim”, disse-nos o ex-estudante da Universidade Gregório Semedo, em Luanda.
Depois de reunir toda a documentação necessária para os processos de candidatura, Bartolomeu indignou-se ao ter sido rejeitado por duas universidades: a Universidade Politécnica de Bucareste e a Universidade de Petróleo e Gás de Ploesti. O motivo de ambas rejeições é o mesmo: a nomenclatura do seu certificado do ensino secundário emitido pelo IPIL em Angola.
“Elas [as universidades] disseram que estava errada a designação do meu certificado porque para cada país eles têm o modelo de certificado que recebem para alunos estrangeiros e, para Angola, eles só tinham três modelos, a nenhum dos quais o meu correspondia”, esclarece Riquelmo.
Numa das correspondências de rejeição enviadas para Riquelmo a 4 de Maio de 2023, a Universidade de Petróleo e Gás de Ploesti é categórica em dizer que: “Você tem que entender, de uma vez por todas, que o seu certificado de conclusão do ensino médio não é reconhecido pelo Ministério da Educação da Roménia”.
O certificado do Ensino Secundário de Riquelmo Bartolomeu, somente com a designação de “Certificado”, foi emitido pelo Instituto Politécnico Industrial de Luanda (IPIL) a 7 de Janeiro de 2020.
“Eu já contactei o IPIL e eles disseram que o cabeçalho dos certificados não depende deles, mas sim do Ministério da Educação. Eles têm uma ordem de modelo que vem de cima para baixo”, avança o jovem que sem estudar actualmente considera esta situação um impasse que pode ser resolvido facilmente.
“Nós esperamos obter uma resposta da Sra. Ministra. A União dos Estudantes já dirigiu muitas cartas. E até agora não temos nenhuma resposta. Desta forma, só estão a condicionar o meu futuro e a minha formação”, remata.
Riquelmo não está sozinho. Gonçalves Fusso, 24, também partilha da sua frustração.
Foi quando ainda frequentava o terceiro ano do curso de Engenharia Informática no Instituto Superior de Tecnologia de Informação e Comunicação (ISUTIC), em meio a pandemia, em 2020, que começou a ponderar se deslocar à Roménia para solidificar a sua formação superior. Na base desta decisão de substituir o ensino superior angolano havia insatisfação.
“Para além dos problemas com as emissões dos certificados [em algumas instituições do ensino superior em Angola], alguns professores aqui querem sempre complicar a vida dos alunos, fazer a vida cara aos alunos, projetando as suas frustrações nos estudantes”, aponta Gonçalves como uma das suas principais razões para querer ir estudar no exterior.
A única coisa que Fusso não sabia é o quão demorada seria a jornada para sair de Angola.
Depois de se ter confrontado com as exigências formais e burocráticas para reunir todos os documentos necessários, incluindo reconhecimento do seu certificado pela Direcção Provincial da Educação, do Ministério das Relações Exteriores, a tradução dos documentos, e custos associados, foi a rejeição da sua candidatura que lhe causou grande “desespero”, como nos disse.
Até ao momento, Fusso já conta com uma rejeição. Como Riquelmo, foi também rejeitado pela Universidade de Petróleo e Gás de Ploesti porque o seu certificado não satisfaz o critério exigido pela instituição romena.
“Sinto-me triste. A morosidade do nosso governo nestes assuntos é uma catástrofe. Tento sempre bater à porta do ministério [da Educação de Angola] mas sem sucesso.”, lamenta o estudante.
“Já escrevi para tentar ter uma audiência com a ministra para resolver essa situação caricata mas sem sucesso. Já estive lá e nada. Parece que sem a ministra mais ninguém consegue resolver este assunto”, acrescenta.
O caso de Gonçalves Fusso ilustra bem o problema que tem originado a recusa de estudantes angolanos em universidades da Roménia. Abaixo (à esquerda), vemos o seu certificado designado “Certificado de Habilitações Literárias”, datado de 12 de Fevereiro de 2016, altura em concluiu o segundo ciclo, e (à direita) o “Certificado” emitido a 30 de Dezembro de 2020. O certificado foi emitido pela mesma instituição, o Instituto Nacional de Telecomunicações.
Nomenclaturas dos certificados
Apesar de algumas instituições académicas que emitem os “novos” modelos de certificados atribuírem a alteração dos modelos a “uma orientação superior do Ministério da Educação”, a tutela rejeita tal atribuição.
“A mudança de nomenclatura não se deve a uma ordem do Ministério da Educação, mas, sim em obediência a um imperativo legal do sector da Educação. Isto é, os artigos 108.º e 109.º da Lei nº 32/20, de 12 de Agosto, que altera a Lei nº 17/16, de 7 de Outubro – Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino, conjugado com os Decreto Executivo Conjunto n.º 59/21, de 10 de Março e o Executivo n.º 479/18, de 30 de Outubro estabelece os modelos dos títulos atribuídos no Sistema de Educação e Ensino da República de Angola, com a nomenclatura acima referida”, diz o MED.
Entretanto, o MED não esclarece em que medida terá havido uma falta de comunicação entre si e os seus pares estrangeiros, o que estará na base dos constrangimentos dos estudantes com quem falamos.
O MED reforça que “esta nomenclatura [actualmente utilizada] dos títulos já vigora desde 2018”, e limita-se a dizer que “já respondemos a Embaixada da República de Angola nestes países”, uma resposta que não satisfaz os candidatos que continuam a olhar para o seu futuro com muitas incertezas.
Estudantes Angolanos na Roménia: Uma relação histórica
A cooperação entre a Roménia e Angola, “foi sempre uma relação muito forte. Sobretudo nos anos 60 e 70, com a formação de estudantes”, diz o embaixador da Roménia em Angola, Florin Tudorie.
“Muitos angolanos fizeram a universidade na Roménia naquela altura. Outros, inclusive, fizeram lá o liceu”, acrescenta o diplomata romeno.
“Estamos a trabalhar para ampliar as relações da educação Roménia-Angola e investigar novas modalidades para apoiar estudantes angolanos que queiram ir para a Roménia”, nota o embaixador Tudorie, adicionando que apesar do seu país não ter um programa específico, o governo da Roménia oferece anualmente 500 bolsas para estudantes não-europeus.
A União dos Estudantes Angolanos na Roménia (UEAR) diz ter registo de cerca de 80 estudantes angolanos actualmente na Roménia.
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