Nuvens negras de poeira, que resultam de novas detonações de explosivos continuam a cobrir os céus de oito bairros de Moatize, na província moçambicana de Tete, cuja população deu há duas semanas um ultimato de 30 dias a empresa mineira Vulcan para resolver o problema de poluição.
Autoridades dizem estar a investigar, enquanto a empresa refuta algumas acusações e promete procurar soluções.
Em carta datada de 13 de Agosto, dirigida a Vulcan, os moradores de Moatize, revelam existir uma poluição a larga escala, decorrente das atividades de extração de carvão mineral, na mina a céu aberto, onde são retirados 11 milhões de toneladas por ano.
Os autores da carta, que dizem viver “uma tensa e amarga frustração de expetativas” com a exploração de carvão, anotam que se agravou a ameaça ambiental e de qualidade de vida desde 2021, quando a mineradora brasileira Vale, que operou a mina por 15 anos, vendeu suas ações à indiana Vulcan.
Eles denunciaram ainda que a coabitação com a exploração tem se configurado “um crime contra a humanidade”, devido os graves problemas de saúde causados pela poluição e exigem que a empresa “tome todas as providencias urgentes e necessárias para mitigar o impacto negativo e nefasto”.
“Se a presente reclamação não merecer a vossa devida e integral atenção, num prazo razoável de 30 dias, contados da data de submissão da presente reclamação, nos reservamos (o direito) de tomar todas as medidas legais de protesto e de tutela efetiva dos nossos direitos individuais e coletivos, sem olvidar das competentes indemnizações caso haja lugar para o efeito”, conclui a carta de reclamação.
Problemas sem fim à vista
Duas semanas depois, os problemas continuam sem um fim à vista, realça a moradora Rita Jacinto, destacando que continuam a “comer poeira todos os dias” e a enfrentar um grave problema de acesso a água potável.
“Estamos a viver feito animais”, precisa Rita Jacinto.
Outra residente, Florinda Marcos, diz estar a enfrentar problemas respiratórios graves devido à fumaça que cobre quase todos os dias o seu bairro.
“Com a poeira de carvão que chega nas nossas casas não consigo respirar bem, além de que temos que ir ao bairro 5 para conseguir estender a farinha de milho”, a base de alimentação da população moçambicana, refere Florinda Marcos.
Ricardo Rogério, também morador de Moatize, diz que a fumaça da poeira de carvão sobressai das minas e cobre as casas ao ponto de a escuridão não permitir uma pessoa enxergar um objeto a 10 metros, sobretudo, no período da manhã.
Problema é antigo
O ativista social e membro da Rede Africana Juvenil em Moatize, Pinho Pires, refere que a saúde da população e o comércio estão a degradar-se e a piorar a cada dia, com a poluição da água e do ar.
“O principal problema mesmo é a poluição do ar, há muitas poeiras que se estendem das minas para as comunidades, porque a mineradora esta mais próxima das comunidades. A comunidade já não consegue deixar a agua fora, a roupa, a farinha branca, assim como outros utensílios domésticos”, explica Pinho Pires, anotando que a situação ocorre numa altura que o distrito de debate com graves problemas de abastecimento de agua potável.
Por seu lado, a jurista e ambientalista Semântica Remane, que acompanha há 20 anos os problemas ambientais em Tete, observa que são visíveis as mudanças de qualidade de ar, e apesar da ausência de analises laboratoriais que confirmem, dá razão as reivindicações de poluição levantadas pela população.
“Eu acredito por aquilo que vi, que a comunidade tem razão para estar a reagir e a queixar-se, acredito que esteja a haver uma poluição atmosférica sim, mas a que nível não sei dizer”, sustenta Semântica Remane.
A também directora do Centro Terra Viva diz que é preciso acudir a população.
“É importante dizer que não é a primeira vez as comunidades reclamam sobre algum impacto e não há resposta concreta por parte das entidades que devem velar pela qualidade ambiental, falo da AQUA e o Governo duma forma geral, que devem estar a acompanhar esses processos”, enfatiza Remane.
Governo investiga
Entretanto, Samuel Tinga, diretor provincial de Tete da Agência Nacional para Controlo da Qualidade Ambiental, explicou à Voz da América que não existem estudos laboratoriais recentes que provam a denúncia de poluição feita pela população.
A secretária de Estado cessante de Tete, Elisa Zacarias, citada pela televisão privada STV, assegurou nesta semana que as autoridades iniciaram trabalhos de investigação para apurar as denúncias da população.
Vulcan reage
A problemática do impacto ambiental da exploração do carvão em Moatize não é novo, tendo a população já realizado várias manifestações que foram reprimidas pela Policia moçambicana.
Na semana passada, a mineradora Vulcan, anunciou em comunicado que está a buscar soluções conjuntas e sustentáveis para evitar a poluição causada pela mina de carvão em Moatize.
Ao reagir à carta da população, a empresa nega que esteja a operar num raio menor que 500 metros das comunidades, contrariando várias organizações não governamentais (ONG’s) ambientais no terreno.
O distrito de Moatize, com uma população estimada em 311 mil habitantes, possui uma das maiores jazidas de carvão mineral do mundo, com reservas avaliadas em pouco mais de 2, 5 mil milhões de toneladas.
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