O posicionanento do Bureau Político do MPLA, partido no poder em Angola, aos confrontos do dia 30 de Janeiro em Cafunfo, na província da Lunda Norte, que deixaram um um número desconhecido de vítimas mortais, provocou fortes reacções de personalidades em Luanda, em particular quando o comunicado do órgão se refere a “líderes políticos sem escrúpulos, que afinal são cidadãos estrangeiros e por isso executam uma agenda política contrária aos interesses de Angola e dos angolanos".
Em causa, a referência a líderes que são “cidadãos estrangeiros” que se destina ao presidente da UNITA, que tinha a nacionalidade portuguesa até concorrer à liderança do partido.
O jurista e antigo primeiro-ministro Marcolino Moco insurgiu-se contra o que chamou de “bullying racista e xenófobo” à volta do líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, e usou a sua conta no facebook para defender “uma clarificação dos conceitos de angolanidade e cidadania angolana”.
Moco manifestou a sua preocupação com o facto da declaração do partido no poder ter deixado implícito o apoio à campanha em curso nas redes sociais contra o líder do principal partido da oposição, que é acusado de não ser angolano.
O protesto do também antigo secretário-geral do MPLA foi dirigido particularmente contra o que afirma ser “o regresso da política de desqualificação gratuita de “figuras ou organizações políticas, pela via mais baixa possível”.
Para Marcolino Moco “todos nós, a maioria da elite angolana actual, nascemos como portugueses, pretos, brancos e mestiços", e sustentou que Adalberto Costa Júnior nasceu em Angola, na actual província do Huambo.
“Já temos o problema de “marimbondos” que elegem “marimbondos, não tenhamos agora ´portugueses´ a elegerem “portugueses”, concluiu.
Por seu lado, o pastor e activista Isaías Isaac afirma ser “uma campanha muito baixa que já não convence ninguém”, e lembra que “foi por este país ser governado por estrangeiros, na sua grande maioria, que o dinheiro foi roubado e depositado lá fora”.
Isaac acrescenta que a matriz e a génese dos antigos e actuais dirigentes dos MPLA é sustentada por pessoas com mais de uma nacionalidade.
Para o conhecido jornalista Graça Campos, associar a nacionalidade de Adalberto Costa Júnior às causas dos acontecimentos do Cafunfo “foi uma jogada muito baixa, reveladora do profundo desespero que tomou conta do MPLA”.
Campos usou as redes sociais para questionar se “a génese do MPLA não é constituída por descendentes estrangeiros e se alguma vez se pôs em causa o patriotismo do MPLA por ser uma criação de cidadãos não angolanos”.
Tal como o reverendo Elias Isaac, o jornalista também se interroga-se se as maiores fortunas angolanas colocadas em Portugal não são de membros do MPLA.
A nota do partido
No comunicado divulgado no fim de semana, o Bureau Político do MPLA diz defender “uma Angola onde os eleitores não sejam surpreendidos com líderes políticos sem escrúpulos, que afinal são cidadãos estrangeiros e por isso executam uma agenda política contrária aos interesses de Angola e dos angolanos”,
As baterias do partido que governa dirigiram-se igualmente contra todas as entidades que atribuíram os tumultos de Cafunfo a alegadas consequências das assimetrias regionais, tendo defendido que a correcção desse fenómeno não pode justifica r“o recurso à acção armada contra o poder instituído”.
Na nota, o MPLA apela aos jovens “a abraçar as causas nobres que têm a ver com a sua superação cultural, formação académica e profissional e a sua inserção na sociedade e advertiu que da arruaça não virá nunca o pão, o emprego, a habitação, o bem-estar das vossas famílias”.
Os confrontos em Cafunfo, entre forças de segurança e cerca de 300 manifestantes convocados pelo Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe para pedir um diálogo com o Governo sobre a pobreza na rica aldeia em minérios, terminou com um saldo de mortes que vai de seis, segundo as autoridades a 27, de acordo com fontes independentes.
A Amnistia Internacional afirmou ter confirmado 10 mortes e muitos desaparecidos.