A morte do político, escritor, diplomata e pensador cabo-verdiano Onésimo Silveira, na quinta-feira, 29, aos 86 anos de idade, na sua ilha natal, São Vicente, tem provocado uma onda de reacções, com referências elogiosas a uma das figuras mais marcantes da realidade do arquipélago nos últimos 70 anos.
Nacionalista, diplomata a serviço do PAIGC durante a luta de libertação nacional e das Nações Unidas, com passagem por Angola, Moçambique e Somália, crítico do regime de partido único, defensor da democracia, primeiro presidente eleito da Câmara Municipal de São Vicente e precursor do debate pela regionalização do país, Silveira destacou-se desde a década de 1950 na literatura, através da poesia, que depois se estendeu a ensaios e ao romance.
“De personalidade forte e corajosa, Silveira é daqueles vultos que passam pela vida como um furacão, não deixando ninguém indiferente e influenciando todos os que com ele cruzaram”, resumiu o Presidente de Cabo Verde, quem lembrou que ele “procurou ainda muito jovem compreender as origens do seu sofrimento, o impacto da pobreza na sua vida e denunciar o abandono pelas autoridades coloniais, numa militância solidária pela justiça, pela liberdade, pela verdade histórica e política e pela democracia.”
Jorge Carlos Fonseca, também escritor, realçou o “combate iniciado pelos corredores das Nações Unidas, nos bancos da universidade, na militância política, na clandestinidade, correndo atrás do sonho do poema novo e libertário, desejado pelo povo das ilhas”.
O primeiro-ministro também, Ulisses Correia e Silva, afirmou que "Cabo Verde perde uma das suas maiores figuras políticas, da cultura, um grande intelectual, um importante defensor da democracia, enfim um homem de causas e convicções fortes e um verdadeiro estadista”.
Por seu lado, José Maria Neves, antigo primeiro-ministro e candidato presidencial, escreveu na sua página no Facebook, que “nasce mais uma estrela na constelação de deuses e um homem, que são muitos”.
Neves acrescentou: “Inteligente, libertário, humanista, emotivo - regressou comigo a São Tomé e Príncipe, para chorar, de novo, diante da pobreza em que ainda vivem os contratados - e patriota. Sempre esteve do lado dos mais pobres e dos excluídos, enfim, dos desafortunados e deserdados”.
Um pensador político
Onésino Silveira foi um homem de causas, mas também “um intelectual de fino trato na abordagem das questões, fundamentalmente, e sendo um intelectual é acima de tudo um pensador político”.
Esta definição é do jornalista, investigador e escritor José Vicente Lopes, autor da obra “Onésimo Silveira, uma vida, um mar de histórias”, lançado em 2016.
Com Silveira, Lopes reconstituiu, ao longo de mais de 400 páginas do livro-entrevista, a vida do político, académico, escritor e diplomata.
Como pensador político, José Vicente Lopes sustenta que “o Onésimo político, de certa forma, terá ofuscado o Onésimo pensador que ele conseguiu ser, mas ainda bem que esse Onésimo pensador conseguiu compilar parte importante dos textos e ensaios que ele produziu e que um dia, quando se for fazer a história da evolução do pensamento político em Cabo Verde, Onésimo Silveira terá certamente um lugar garantido nessa história”.
Numa conversa com a VOA, aquele jornalista resume a vida de Silveira em quatro fases, que dão corpo a uma personalidade com uma vida muito marcante.
“Há um Onésimo que nasce para o nacionalismo cabo-verdiano e luta pela independência, há uma segunda fase em que o Onésimo se posiciona a favor da democracia e combate o PAICV, a terceira e quarta fase, que podemos juntar, são a do Onésimo autarca, que faz uma luta muito empenhada e firme pela afirmação da sua ilha natal e também afirmação do poder local em Cabo Verde”, considera José Vicente Lopes.
É neste quadro que Silveira trava aquele que terá sido “o último grande combate da vida dele”, a regionalização, “um assunto adiado e não resolvido”.
O poeta que influenciou intelectuais angolanos
No campo literário, Onésimo Silveira lançou-se ainda jovem na poesia nacionalista, que o levou a escrever sobre as fomes, a afirmação dos povos, sobre liberdade.
Na verdade, lembra Lopes, “a poesia de Onésimo, infelizmente, ficou muito reportada aos anos de 1950 e 1960”.
Mas “ele tem poemas que são de antologia ainda hoje, um dos quais foi cantado por Rui Mingas, compadre dele, e que fala muito desse mundo particular de Cabo Verde”.
Aliás, aponta aquele jornalista e investigador, além de Rui Mingas, Silveira, que viveu em Angola ainda antes da independência dos dois países, “influenciou outro grande poeta angolano que é Mário Antonio, que num dos seus poemas, musicados, por sinal, por Rui Mingas, fala dos homens que trazem sal nos cabelos…”.
Ainda em Angola, Silveira conviveu com vários outros intelectuais "de primeira água", como Viriato da Cruz.
Com a poesia dele circunscrita àquelas décadas, Onésimo Silveira, no entanto, continuou a escrever poesia, segundo disse a José Vicente Lopes, quem espera agora que os familiares recuperem esse material, bem outros textos que ele terá escrito, mas não publicado.
Bibliografia e trajectória
Entre as suas principais obras, destacam-se “Toda a gente fala; sim, senhor”, lançada em 1960 e à qual se seguiram várias outras como “Hora grande; poesia caboverdiana (1962), “Consciencializac̦ão na literatura caboverdiana” (1963), “Africa South of the Sahara: Party Systems and Ideologies of Socialism” (1976), “A saga das as-secas e das graças de nossenhor (1991) , “A tortura em nome do partido único: o PAICV e a sua polícia política” (1992),“Contribuição para a construção da democracia em Cabo Verde”, (1994), “Poemas do tempo de trevas: Saga (poesia inédita e dispersa) Hora grande (reedição em 2008), entre outras obras.
Natural da ilha de São Vicente, onde nasceu em 1935, Onésimo Silveira estudou em Uppsala, na Suécia durante a década de 1960, depois de ter passado um período na China.
Em 1976, doutorou-se em Ciências Políticas, pela Universidade de Uppsala (Suécia), altura em que já se tinha desentendido com o PAIGC, então no poder em Cabo Verde, e passou a ser um dos críticos do regime de partido único.
Nesse exílio, e como cidadão sueco, foi diplomata pelas Nações Unidas, em Nova Iorque, antes de representar a organização em Angola, Moçambique e Somália, entre outros países.
Com a abertura política em 1990, instalou-se definitivamente no país e trabalhou arduamente na campanha para as primeiras eleições democráticas de 1991, ao lado do Movimento para a Democracia (MpD), partido que venceu as eleições e do qual também se distanciou profundamente mais tarde.
Nas primeiras eleições autárquicas de 1992, foi eleito presidente da Câmara Municipal de São Vicente e mais tarde criou o Partido do Trabalho e da Solidariedade, com o qual concorreu a eleições, sem resultados positivos.
Foi deputado e candidato à Presidência.
Em 2002, com o PAICV (herdeiro do PAIGC) no poder, é nomeado embaixador do país em Portugal, que terá sido seu último cargo público.
Em 2015 recebeu o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade do Mindelo, em Cabo Verde.