Obra literária que critica desvios políticos, económicos no MPLA e no Estado nos primeiros anos da independência de Angola é objecto de estudo.
De acordo com o investigador de literatura e docente do ISCED-Instituto Superior de Ciências da Educação, da Universidade Agostinho Neto, Manuel Mwanza, a obra “O Ministro”, da autoria do já falecido enfermeiro, nacionalista, político e escritor Uahenga Xitu, publicada em 1989, é uma crítica aos desvios políticos e económicos no MPLA e no Estado.
Uahenga Xitu é o pseudónimo literário de Agostinho André Mendes de Carvalho, autor da obra escrita em 1976, mas publicada apenas 13 anos mais tarde.
A narrativa é agora um objecto da pesquisa que pretende provar à sociedade que a mesma foi construída com recu a matérias de cariz histórico e da realidade sociopolítica do país.
Para o pesquisador de literatura, o livro escrito pelo antigo Ministro da Saúde do governo de Angola pós-independência reporta, por meio da escrita criativa, os meandros da sua realidade sociopolítica dos anos 75 aos finais da década 80.
Manuel Mwanza que não revelou o título da obra assegurou que se trata apenas de um guia para facilitar a interpretação de textos literários complexos.
«O texto de ficção, O Ministro constrói-se a partir de factos da realidade crua e por causa disto eu tentei construir um guia de leitura operando uma divisão da obra em três partes para facilitar a leitura», disse.
Para fundamentar a sua tese, o professor da Universidade Agostinho Neto recorreu aos documentos da época dentre os quais os diários da República publicados entre de 1975-1991, jornais, arquivos históricos, teses políticas e Revistas.
O académico dividiu a sua pesquisa baseada na obra de Uahenga Xitu em três partes fundamentais, nomeadamente: Memórias de um político, na qual o académico revela que o autor, enquanto Ministro, faz uma crítica aos desvios político e as manobras internas para disputa de cargos no Comité Central do seu partido, o MPLA, que se verificavam na altura. «Ilídio Machado segundo ele, só foi ao Comité Central porque ele teve de intervir, porque foi esquecido simplesmente”.
Não se trata de ficção, é aquele outro livro que está no mesmo livro», contou o docente universitário.
Citando José Carlos Venâncio, Manuel Mwanza salienta que «Mendes de Carvalho não pretendia criticar o regime de que ele fazia parte, mas criticar as atitudes que desviavam o partido no poder (MPLA) das linhas que tinha construído».
Na segunda parte da pesquisa o investigador rfere que a obra O Ministro critica o sistema de organização económica de Angola e o excesso de poder atribuído a alguns Ministros, que por seu turno desrespeitavam o povo.
Já a terceira retrata a forma como em “O Ministro” é abordado o racismo nos finais da década 70.
De acordo com o estudo, na narrativa Uahenga Xitu critica a forma como se tratavam os brancos em Angola após o alcance da independência, a 11 de Novembro de 1975.
Para Manuel Mwanza obra aparenta ser ficcional, porém contém no seu interior uma segunda obra não ficcionada com informação sobre alguns factos que ocorreram nos anos 70 e 80 fazendo críticas sociopolíticas subtis. «Há momento em que o narrador intervém, portanto produz-se ai a ficção, mas há dum momento ao outro a intromissão do próprio autor, como ministro, “governante” a dizer aquilo que tinha realmente acontecido citando inclusive textos governamentais», disse o investigar acrescentando por outro lado ter “caçado” «ponto a ponto estes textos para confirmar se o que diz Uahenga Xitu como autor pode ser comprovado.
E fui comprovando o que ele dizia, tentando aproximar a informação que o narrador veicula com os factos que ocorreram nos 70-80».
A pesquisa deverá ser útil para construção de uma significação plausível que poderá ajudar os alunos e iniciados em literatura a compreender o contexto em que a obra foi escrita.
«Para quê serve este exercício? Serve para aqueles alunos que hoje estão na 8ª classe, 9ª, 12ª, aquele professor que tem a obra de Uahenga Xitu, mas não tem informação coerente, construir uma significação plausível para o aluno vai encontrar reunidos neste guia extractos de documentos que remetem para determinados episódios e explicações, que eu próprio produzo», assegurou o académico.
A pesquisa de Manuel Mwanza enquadra-se num projecto académico por si desenvolvido há 5 anos e que visa construir guias de leituras de determinados textos literários.
Com o referido projecto, o docente universitário, pretende dar corpo a um dos objectivos elementares das instituições de ensino universitário que consiste na produção de conhecimentos úteis para sociedade.
Para além de “O Ministro”, do malogrado escritor e nacionalista angolano Agostinho André Mendes de Carvalho, o professor da cadeira de literatura no ISCED de Luanda está igualmente a dirigir um grupo de pesquisadores que se encontra em fase final de elaboração de um glossário da linguagem literária do escritor Luandino Vieira.
«O aluno da 8ª, 9ª, da 10ª classe que lê um texto de Luandino Vieira encontra alguns rasgos de kimbundu no português, por exemplo, “tudo yoso.Eu sou estudante da 9ª classe e leio “tudo yoso”.
O que é isto tudo yoso?Então nós estamos a construir um glossário para explicar...Por exemplo “banzar”, “o homem banzou”, “David Casumbulou”. Há no fundo o aportuguesamento de algumas palavras em kimbundu e uma kimbundização de alguns vocábulos portugueses. Nós procuramos construir um instrumento para oferecer ao aluno e para o professor», explicou.
O livro “O Ministro”, com uma forte componente crítica política e social, juntou-se a um outro título publicado depois da independência de Angola e que se assume como uma sátira ao culto da personalidade e ao comportamento dos políticos: O Ministro e Cultos Especiais.
O investigador de literatura Manuel Mwanza está optimista em relação a aceitação da obra, cujo programa de pesquisa foi apresentado e aceite pelo Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, em Portugal, mas revela-se consciente das possíveis barreiras e constrangimentos que deverá enfrentar para publicação da investigação literária.
Falecido a 13 de Fevereiro de 2014, Uanhenga Xitu, pseudónimo literário de Agostinho André Mendes de Carvalho, nasceu no dia 29 de Agosto de 1924, em Kalomboloca, Icolo e Bengo, Angola, pautando sempre a sua vida pela luta na defesa dos ideais nacionalistas e desde muito novo se confrontou com a perseguição do regime salazarista.
Em consequência desta postura ideológica, foi preso, em 1959, pela polícia política do Estado colonial-fascista (PIDE/DGS), acusado de participar em actividades políticas revolucionárias, consideradas subversivas e atentatório à integridade do regime colonial português.
Cumpriu parte desta pena de prisão, no período entre 1962 e 1970, no campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. Colaborou na página cultural do jornal A Província de Angola, página de feição nacionalista.
Depois da Independência, foi eleito membro do Comité Central do MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola). Por força da sua actividade política, o antigo enfermeiro de profissão, que estudou mais tarde Ciências Políticas, foi Governador de Luanda, Ministro da Saúde, Embaixador na Alemanha e Deputado à Assembleia Nacional.
Interessou-se pela arte da escrita em finais da década de 60, e nos anos 70, ainda na prisão, dedicou-se a escrever, embora a sua obra incida numa experiência vivencial de épocas anteriores, em especial das décadas de 40 e 50. Uanhenga Xitu foi um dos membros fundadores da União de Escritores Angolanos (UEA), da qual foi Presidente da Comissão Directiva.
Escritor prestigiado em Angola e no estrangeiro, as suas obras encontram-se traduzidas em várias línguas. Tem publicados os títulos “O Meu Discurso” (1974); “Mestre Tamoda” (1974); “Bola com Feitiço” (1974); “Manana” (1974); “Vozes na Sanzala (Kahitu)” (1976); “Mestre Tamoda e outros contos” (1977); “Maka na Sanzala” (1979); “Sobreviventes da Máquina Colonial Depõem” (1980); “Discursos do Mestre Tamoda” (1984); “O Ministro” (1989); “Cultos Especiais” (1997).