Morreu o Arcebispo Desmond Tutu, Prémio Nobel da Paz e veterano da luta contra o Apartheid, anunciou a presidência sul-africana, neste domingo, 26.
"A morte do Arcebispo Emérito Desmond Tutu é outro capítulo de luto na despedida da nossa nação a uma geração de destacados sul-africanos que nos legou uma África do Sul libertada", disse o presidente Cyril Ramaphosa.
Desmond Tutu tinha 90 anos de idade.
Nação Arco-Íris
Tutu era considerado a consciência da nação por negros e brancos, um testemunho duradouro de sua fé e espírito de reconciliação numa nação dividida.
Ele pregou contra a tirania da minoria branca e mesmo depois do fim do apartheid ele nunca vacilou na sua luta por uma África do Sul mais justa, chamando a elite política negra para prestar contas com tanta agressividade quanto fez com os africanos brancos.
Nos seus últimos anos, Tutu lamentou que o seu sonho de uma "Nação Arco-Íris" ainda não se tivesse tornado realidade.
No cenário global, o activista de direitos humanos falou sobre uma variedade de tópicos, desde a ocupação dos territórios palestinos por Israel aos direitos dos homossexuais, mudança climática e morte assistida.
Com apenas 1,68 metros de altura e riso contagiante, Tutu era um gigante moral que ganhou o Prémio Nobel da Paz, em 1984, por sua luta não violenta contra o apartheid.
Ele usou o seu papel de destaque na Igreja Anglicana para denunciar a situação dos negros sul-africanos.
Na década de 1980, Tutu se tornou a face do movimento antiapartheid no exterior, enquanto muitos dos líderes do Congresso Nacional Africano (ANC), como Nelson Mandela, estavam atrás das grades.
“A nossa terra em chamas e sangrando, por isso peço à comunidade internacional que aplique sanções punitivas contra este governo”, disse Tutu, em 1986.
Mesmo quando os governos ignoraram o apelo, ele ajudou a lançar campanhas populares em todo o mundo que lutaram pelo fim do apartheid por meio de boicotes económicos e culturais.
O ex-presidente branco da linha dura P.W. Botha perguntou a Tutu em carta de Março de 1988 se ele trabalhava para o reino de Deus ou para o reino prometido pelo então ilegalizado ANC.
Orações em funerais de vítimas do apartheid
Uma das suas tarefas mais dolorosas foi orar em funerais de negros violentamente mortos durante a luta contra a dominação branca.
“Estamos cansados de ir a funerais, de fazer orações semana após semana. É hora de travar a perda de vidas humanas”, disse uma vez.
Tutu disse que sua posição sobre o apartheid era moral e não política.
“É mais fácil ser cristão na África do Sul do que em qualquer outro lugar, porque as questões morais são muito claras neste país ", disse certa vez à Reuters.
Em Fevereiro de 1990, Tutu acompanhou Nelson Mandela a uma varanda do Município da Cidade do Cabo, onde o líder do ANC fez o seu primeiro discurso público após 27 anos na prisão.
Ele estava ao lado de Mandela quatro anos depois, quando tomou posse como o primeiro presidente negro do país.
"Às vezes estridente, geralmente terno, nunca com medo e raramente sem humor, a voz de Desmond Tutu sempre será a voz dos que não têm voz", é como Mandela, que morreu em Dezembro de 2013, descreveu seu amigo.
Enquanto Mandela introduzia a democracia na África do Sul, Tutu chefiava a Comissão de Verdade e Reconciliação que desnudava as terríveis verdades da guerra contra o governo branco.
Alguns dos testemunhos comoventes o levaram a chorar.
De professor a religioso
Filho de um professor, Tutu nasceu em Klerksdorp, uma cidade conservadora a oeste de Joanesburgo, a 7 de outubro de 1931.
A família mudou-se para Sophiatown, em Joanesburgo, uma das poucas áreas mestiças da capital comercial, posteriormente demolida sob as leis do apartheid para dar lugar ao subúrbio branco de Triomf.
Sempre um aluno dedicado, Tutu primeiro trabalhou como professor. Mas ficou furioso com o sistema de educação de negros, uma vez descrito por um primeiro-ministro sul-africano como tendo o objetivo de prepará-los para seu papel na sociedade como serventes.
Tutu deixou de dar aulas, em 1957, e decidiu se filiar à igreja, estudando primeiro no St. Peter's Theological College, em Johannesburg. Foii ordenado sacerdote em 1961 e continuou os seus estudos no King's College em Londres.
Ele foi nomeado primeiro arcebispo negro da Cidade do Cabo, em 1986, tornando-se o chefe da Igreja Anglicana, a quarta maior da África do Sul. Ele manteria essa posição até 1996.
Na reforma, ele lutou contra o cancro da próstata e em grande parte se retirou da vida pública.
Numa de suas últimas aparições públicas, ele recebeu o príncipe britânico Harry, sua esposa Meghan e seu filho de quatro meses, Archie, na sua fundação de caridade na Cidade do Cabo, em Setembro de 2019, chamando-os de casal "genuinamente atencioso".
Tutu se casou com Leah em 1955, com a qual teve quatro filhos. O casal morava na Cidade do Cabo e no Soweto, perto de Joanesburgo.